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Senhores Conselheiros da UFRJ: quero, nesta primeira reunião que presido como reitor eleito e empossado começar agradecendo a todas aquelas instituições e representações políticas que, prontamente, validaram nossa consulta, percebendo-a como essencial à preservação e restauração de nossa Universidade e à restauração de nossa dignidade.

A UFRJ foi apoiada pela totalidade dos vereadores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, pelo antigo e pelo atual prefeito. Entendemos que estes representantes políticos nos disseram da importância que a cidade do Rio de Janeiro confere à mais antiga e qualificada Universidade pública federal do país. O Rio sabe que a UFRJ, com mais de 3.500 professores, quase 10 mil funcionários técnico-administrativos e 40 mil estudantes, é uma “cidade do espírito” inscrita na essência da vida metropolitana.

È hora de agradecer pela espontânea manifestação aos 61 dos 70 deputados da Assembléia Legislativa Estadual, ao excelentíssimo ex-governador e excelentíssima governadora. Explicitaram sua clara consciência sobre o significado de realizarmos neste estado 195 cursos de graduação e quase duas centenas de programas de pós-graduação e de aqui estarmos operando mais de 500 laboratórios, além de 41 bibliotecas, 7 hospitais, 2 museus, 2 orquestras, tudo em sinergia com as variadas dimensões da vida regional.

A UFRJ se emocionou com o requerimento de voto de aplauso assinado pelos três senadores do Rio de Janeiro – Roberto Saturnino Braga, Artur da Távola e Geraldo Cândido – bem como com a manifestação da maioria dos deputados federais da bancada fluminense, pela oportuna lembrança, ao Congresso Nacional, do que representa esta Universidade. Reiteraram ao Brasil que a UFRJ é essencial à coluna central davida acadêmica; é espaço de preservação e reelaboração crítica da memória nacional; contribui para e acompanha o desenvolvimento científico, tecnológico e intelectual mundial; interage com os centros de saber das outras nações e, assim projeta a civilização brasileira para muito além de nossos limites.

Foi, para nós, reconfortante o extenso apoio recebido pela UFRJ de entidades acadêmicas, profissionais, sindicais e culturais do país, em especial de nossas Universidades co-irmãs. Instâncias fundamentais da sociedadeorganizada, sublinharam a imprescindibilidade da UFRJ para a construção da nação brasileira.

A UFRJ nasceu como simulacro da Universidade e foi, durante muito tempo, uma frouxa confederação de escolas – sólidas, porém cada qual com sua cultura própria. Desenvolveu-se sem um plano diretor, e foi criando historicamente seus conteúdos e improvisações e casuísmos. Apesar deste processo, a UFRJ é uma instituição pujante e dinâmica.

Aqui e acolá, é fácil sustentar a afirmação. è notável que, apesar dos difíceis últimos anos, não tenha havido quebra de desempenho da UFRJ. Em maio deste ano, a média brasileira diária de extração de barris de petróleo superou 1,53 milhões/dia. Setenta e três por cento deste petróleo é do mar: a UFRJ foi parceira decisiva deste feito.

No Hospital Universitário, estão sendo testados novos imunizantes para AIDS. No dia 5 de julho foi noticiado que o Departamento de Histologia da UFRJ e o Texas Heart Institute estão desenvolvendo um método de terapia celular que restaura artérias cardíacas. Na UFRJ, está avançado o ensaio de utilização de células-tronco para recriação de tecidos mortos em doentes de coração. Todos os sábados, nos fundos da Escola Nacional de Música da UFRJ, um grupo preserva e aperfeiçoa a música instrumental popular brasileira. Em quase todas as Escolas de Enfermagem da América do Sul atuam pós-graduadas de nossa Escola Anna Nery. O Rei Lear, de Shakespeare, teve sua melhor tradução para o português feita por um professor nosso. Realizamos, todos os anos, cursos de graduação e pós-graduação com o mais alto desempenho.

Poderíamos seguir colocando a assinatura de nossa Universidade em uma espantosa e extensa relação de êxitos. Porém, apesar de publicarmos mais de 50 revistas acadêmicas de qualidade internacional, não valorizamos o ícone que as tornaria facilmente reconhecíveis como sendo “de uma mesma família”. Tampouco dispomos de um catálogo plurilíngue que nos apresente extrenamente.

Este tipo de modéstia não é virtude, mas um defeito genético-constitutivo. Alguma vez fomos acusados de corporativistas, quando nosso problema é, pelo contrário, orgulho circunscrito a unidade por unidade, e displicência em relação ao conjunto. Precisamos fortalecer a corporação e, para tal, esta reitoria pede que todos os membros da Universidade se sintam co-signatários de suas realizações. Precisamos expressar nossa auto-estima como sentimento de pertinência a esta casa.

Este é o momento para meditarmos sobre o significado de esta reitoria ter sido honrada com 85% dos votos de cada um dos três corpos que compõe a instituição. Este resultado evidencia a busca por unidade, por coesaão, que hoje anima nossa Universidade. Ao consagrar o programa apresentado, nossa comunidade sublinhou a necessidade de pleno respeito à construção de decisões colegiadas.

Dada a heterogeneidade e variedade de tarefas da instituição, somente é harmonizável e potencializável sua atuação se houver plena atividade das formas de representação estatutárias e acatamento àssuas deliberações. Os episódios dos últimos anos demonstraram à sociedade esta necessidade. A partir de hoje, as decisões dos colegiados superiores da Universidade terão força imperativa. A plenitude dos conselhos exige seu poder de auto-convocação e independência na construção de pauta. Estamos prevenidos quanto ao grave desvio da conversão de instâncias executivas em balcão de micro-negociações políticas. A controvérsia nos colegiados com a explicitação dos fundamentos doutrinários e com a argumentação que convoque a melhor informação empírica, pela via do exercício racional e democrático, qualifica e enriquece a decisão e robustece a corporação.

O reitor é o guardião das regras de convivência e construção acadêmica. Internamente, terá que dar conseqüência às decisões dos órgãos colegiados, e garantir o máximo de transparência na gestão cotidiana da instituição. Externamente, é a voz da Universidade em relação à sociedade civil e política. Particularmente importante será nosso diálogo institucional com as Universidades co-irmãs e demais instituições acadêmicas.

É fundamental desenvolver a musculatura da corporação pela prática democrática responsável. Exige o progressivo reconhecimento do que é a UFRJ, do que faz, quais problemas enfrenta e que políticas adota.

É necessário exorcizar nossas excessivas segmentação e tendência ao isolamento das unidades. O respeito mútuo entre os integrantes e seu compromisso com as políticas da instituição podem vir a ser, muitas vezes, o paliativo para as limitações materiais. A auto-estima e a convicção de pertinência a uma corporação digna são salvaguardas para tempos difíceis que se avizinham, e o antídoto para que não sejam repetidos lastimáveis episódios do passado recente.

A construção de futuros é a principal missão da Universidade. Profissionais, intelectuais, críticos, quadros dirigentes, experimentados e amadurecidos, são egressos da Universidade e temperados pela vida. São os futuros imprescindíveis. Da Universidade emana o desenvolvimento científico que alimenta as tecnologias do futuro. Como espaço de liberdade e criação, explicita sonhos, desenha projetos, inspira comportamentos futuros. A Universidade é a última etapa de uma seqüência pela qual a sociedade se reproduz. Pelo ventre da mãe, pela passagem na creche, pelo jardim de infância, pelo ensino fundamental e pelo médio, desemboca a juventude na Universidade. A educação pública somente foi universalizada no século XX. A sociedade, cada vez mais, aplica anos à educação formal de seus integrantes. Apesar de ser a última etapa, historicamente a Universidade foi decisiva para implantar a educação universal. É a chave para o aperfeiçoamento daquela seqüência. Qualquer projeto nacional deve pensar aquela cadeia como sistema integrado, cuja garantia de contínua qualificação reside no patamar universitário.

A Universidade não é prisioneira do momento. Preserva e reprocessa o conhecimento passado. Tem que estar sintonizada com o atual, decodificando seus desafios e potencialidades e buscando decifrar seus enigmas. Dada a natureza de sua missão, está obrigada a pensar com generosidade e responsabilidade os amanhãs. Não pode ser ingênua, porém tem que ser sonhadora. O pragmatismo não pode, jamais, porém tem que ser sonhadora. O pragmatismo não pode, jamais, ser dominante no espaço universitário. O humanismo inerente a uma “casa do espírito” tem a obrigação de decantar uma ética que subordine o poder da técnica. Tem que exercitar a consciência social para a realidade do mundo, do conhecimento e da nação. É necessário continuamente reinventar a utopia.

A formação da juventude é nossa responsabilidade imediata. Disto decorre um inegociável compromisso com a qualidade. O sonho do mestre é ser superado pelo discípulo. As novas gerações têm que nos superar em grau de adestramento, competência, capacidade criativa e crítica. O ensinar visa à independência intelectual do educando; por isto, a pesquisa é inerente à Universidade. A nova geração tem que ser criativa. A formação e a competência exigem aprender fazendo. Daí o papel vital da extensão. Entretanto, a Universidade somente é instituto de pesquisa ou instância prestadora de serviços na medida em que eleve a qualidade do processo de formação de novos quadros. A centralidade desta missão não pode ser esquecida. As carreiras universitárias têm que ser preservadas de mutilação; o encurtamento não as substitui; a conviviabilidade no lugar universitário é essencial à formação acadêmica. A Universidade pode desenvolver educação à distância, realizar cursos de extensão compactos e até mesmo ser uma agência promotora de novas empresas (incubadora), porém tudo isto é acessório e não pode ocultar o compromisso central.

A Universidade é essencialmente pública desde a Revolução Francesa. Desde então, tem sido sustentáculo dos estados nacionais. Transcende – não é subordinável a nenhuma lógica de mercado.

Não tem sentido aplicar raciocínio economicista à Universidade. Fazê-lo em educação é repetir a bíblica venda da primogenitura pelo prato de lentilhas. Quanto vale para uma nação sua futura geração? Os futuros têm um valor incomensurável para a presente.

A Universidade deve ser o canal da democratização republicana. Isto implica ser um espaço de mobilidade social. Cinqüenta e três mihões de brasileiros são pobres. Hoje, 97% dos jovens estão matriculados no ensino fundamental, contra apenas 12% na Universidade. Na Europa, 60% dos jovens são universitários, e no nosso vizinho Uruguai, 30%. A mobilidade social exige superar a escola privada, exclusiva, paga, e abrir caminho para os jovens pobres brasileiros rumo à Universidade pública e gratuita.

Isto exige atenção para a questão social no corpo discente na Universidade. Nas últimas décadas, o ensino médio cresceu quantitativamente no Brasil. Isto coloca, para a Universidade pública, um notável desafio: aumentar vagas sem perder – pelo contrário, prosseguir ganhando – qualidade.

A questão social, para a Universidade, no domínio da educação, se desdobra em diversos níveis. Primeiramente, há a centralidade da formação dos professores de nível médio, bem como a disponibilização de um sistema de educação continuada para este magistério.

Em segundo, são necessários programas preparatórios gratuitos que facilitem o acesso de estudantes de baixa renda ao concurso do vestibular. Em terceiro, há a urgência em assistir os estudantes pobres que, consagrados como heróis do vestibular, venham ater condições de dedicação exclusiva e tempo completo para o aprendizado.

Bolsas para estudantes carentes, tutorias para acompanhar seu aprendizado são imprescindíveis. É um equívoco tentar colocar um biombo sobre a questão social do estudante lançando mão da variável étnica. País multirracial aceita a existência do preconceito e procura compensá-lo por cotas étnicas, o Brasil é um país mestiço que conceitua o preconceito racial como crime hediondo. A instalação da cota racial não resolve a questão do estudante de baixa renda, e ainda tem o efeito de “naturalizar” e estimular o preconceito racial.

Esperança, dignidade, auto-estima e direito a sonhar são demandas legítimas e ingredientes de formação da juventude. A Universidade deve estar atenta à crueldade dos tempos atuais. As dimensões de desemprego, subemprego e diminuição do rendimento do trabalho no quadro geral de crescimento reduzido angustiam os jovens. O exíguo mercado de trabalho condiciona e tensiona a Universidade.

Creio que a chave convocatória é repensar a nação como projeto para a inoculação de vacina à perda. Pelo discurso pós-moderno, esta proposta é estigmatizada como atrasada e paleolítica.

Na pós-modernidade, foram exaltados tanto a virtude do mercado quanto o ideal da competição desenfreada. Foi lançada na penumbra a idéia da solidariedade. Afirmou-se a obsolescência dos grandes discursos e foi ensaiada sua substituição por abordagens fragmentárias e operacionais. Alguns saudaram o fim da história como parteira de descontinuidades. A nação foi percebida como instituição datada e em diluição. O nacionalismo foi cunhado como uma ideologia arcaica. No cenário internacional, foi anunciada a proximidade de uma ordem democrática que, de forma progressiva e harmônica, globalizaria o espaço-mundo e dispensaria o exercício da soberania nacional. Neste cenário, a Universidade nacional dever-se-ia dissolver, integrando-se à Universidade mundial. Questões como a nação, sua identidade, sua cultura, seus símbolos e heróis alimentariam, como material etnográfico e referência histórica, cursos da Universidade do mundo.

A história concreta tem-se movido em direção oposta ao prognóstico pós-moderno. A promessa de paz mundial submerge na geopolítica embebida de petróleo. Linhas de fratura de alto risco se apresentam na Ásia Central, no subcontinente indiano e no Oriente Médio. Antigas barreiras étnicas, culturais e religiosas estão alimentando conflitos fundamentalistas. O horror progressivo do narcotráfico faz gala de uma assustadora promiscuidade com o geopolítico e com o sistema financeiro e degrada valores, abrindo caminho para a atrofia de direitos civis. São alarmantes as seqüelas da redução de solidariedade. No mundo, estão previstos na próxima década mais de 70 milhões de infectados com AIDS. Na África, 12 países já tem mais de 10% da população adulta infectada. Em Botswana, o índice atingiu 39%.

A falácia da globalização virtuosa é patente. A renúncia de exercício da soberania quanto aos movimentos do dinheiro, das empresas e dos capitais é assimétrica com obstáculos, cada vez mais vigorosos, aos deslocamentos de população e da força de trabalho.

Ao invés da constituição de uma ordem democrática internacional, em que cada país tenha voto, está visível um império que se recusa a aceitar a redução de qualquer um dos seus super-poderes. Não aceita o protocolo de Kioto ou a Corte Internacional de Haia; reserva-se o direito de reter suspeitos sem assistência judicial nem consular; admite julgamentos secretos por seus tribunais militares; e se autoconcede habeas corpus apriorístico para seus militares em ação pelo mundo.

Não está garantida a saúde deste epicentro imperial, infectado por doenças de alto risco. Sua moralidade sistêmica exalta o protagonismo da grande empresa, e a verdade inquestionável do balanço contábil. Porém, agora a grande corporação tende a mentir contabilmente e, por conseguinte, a pecar mortalmente na tradição puritana. Prospera a perda de confiança na verdade empresarial. Os casos Enron, Tyko, Worldcom, Xerox, Andersen, Vivendi Universal, Merck etc. e a suspeita de desvio de 2 bilhões de dólares em subsídios agrícolas na Europa abalam o alicerce moral deste sistema.

A sobra da dúvida paira sobre os dirigentes empresariais. Como sustentar o mito da corporação privada virtuosa, em relação ao setor público? Ao mesmo tempo, os fundamentos macroeconômicos estão em declínio no país líder; retornam as projeções de desequilíbrios nos balanços comercial e fiscal. É acentuada a desvalorização das Bolsas de Valores e está debilitada a moeda-líder; em curso, há uma redução dos fluxos financeiros externos para a capital do império. A crise econômica e moral prosperará para além dos muros do império.

A opção entusiasmada pela globalização facilita, obviamente, o contágio das nações que se desarmaram na entrega a esta crença. Em nossa íbero-américa, a crise Argentina fornece um exemplo dramático do país que, acatando as orientações do sistema financeiro internacional, é por ele deixado à deriva. O fantasma recessão e esvaziamento cambial está às portas do Uruguai, Paraguai e Bolívia. Todo o continente está ameaçado.

Estes processos irão reforçar nossa reflexão. Mais além da estagnação, pode prosperar o terror da desconstrução econômica, algo como um desenvolvimento com sinal negativo, e um retrocesso histórico social.

Em simultâneo, assistimos surpreendentes transformações semânticas realizadas pela retórica imperial. O Paquistão converteu-se de tirania em país confiável. A venezuela, apesar de processos eleitorais transparentes, tem seu presidente estigmatizado como ditador populista. Um candidato a presidente da Bolívia, com forte chance de vitória, foi acusado pela diplomacia do império de complacência com o narcotráfico. A autodeterminação está sendo colocada sub judice do critério imperial.

A história está sendo pródiga em fornecer indicadores estruturais que vulnerabilizam o edifício do pensamento único. A globalização demonstra seus pés de barro. A nação como território de soberania de um povo não é anacronica – é a instituição matriz e mantenedora de anteparos diante de um mundo cada vez mais propenso a uma crise estrutural com desdobramentos de difícil previsão.

A revalorização da nação implica reconvocação da Universidade pública brasileira. O pensamento crítico e o questionamento do pensamento único são do cotidiano desta instituição. O nacionalismo como sensação de pertinência a um povo, condômino de um território e parceiro de um projeto comum, não é substituível por outro discurso. Cabe à Universidade subsidiar este sentimento, evitando que seja desviado do leito democrático por xenofobia ou apelos puramente emocionais, e ajudar a canalizá-lo para a construção de uma sociedade justa e inclusiva de todos os brasileiros.

As instituições e representações políticas que me apoiaram estejam certas de que os professores, técnico-administrativos e estudantes da UFRJ estarão perfilados na linha de frente de reconstrução de salvaguardas para que o Brasil não se dilua. Que a razão nos ilumine e que Deus nos ajude. 

 

Pesquisado e transcrito por

Antonio José Barbosa de Oliveira
Professor do CBG/UFRJ e colaborador da Divisão de Memória
antoniojosearrobafacc.ufrj.br
 

 

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