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A Universidade e os anos 1960

 

Andréa Cristina de Barros Queiroz*

 

A década de 1960 representou um período de grande efervescência político-cultural e de muitas transformações sociais, científicas e administrativas na vida universitária brasileira, sobretudo, após o golpe de 1964 marcando o início da ditadura civil-militar no país (1964-1985). E no que se refere às universidades houve a consolidação de um projeto moderno-conservador e autoritário para o ensino superior no Brasil.

 

Em 20 de agosto de 1965, a partir da Lei n. 4.759, a antiga Universidade do Brasil (UB) tornou-se Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para Fávero (2007, p. 37), a padronização do nome das instituições universitárias federais ocorreu em virtude do contexto autoritário em que o país vivia. Dessa forma, também reforçou o paradigma centralizador e elitista da instituição, conjugado ao ideal moderno-conservador e autoritário da ditadura, que podem ser observados inclusive na gestão de seus reitores, tais como a reitoria de Raymundo Moniz de Aragão (1966-1969) e de Djacir Lima Menezes (1969-1973) que publicamente se declararam apoiadores do regime ditatorial. Moniz Aragão, por exemplo, foi Ministro da Educação e da Cultura interino de 30 de junho a 04 de outubro de 1966, tendo atuação importante para a implementação da reforma universitária de 1968.

 

Durante a ditadura civil-militar, as universidades tornaram-se foco de atuação do regime autoritário por serem consideradas locais onde as ideias comunistas se propagariam mais facilmente entre os estudantes, os professores e os técnicos, e com essa justificativa o governo manteve um patrulhamento no interior das instituições. Há evidências de que o controle, a vigília e a perseguição política sofrida pela comunidade acadêmica da UB/UFRJ ocorreram antes mesmo do golpe de 1964, realizada pelo corpo social conservador que apoiou a ditadura na instituição, como a perseguição sofrida pelos membros da antiga Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), com a existência de vários dossiês e Inquéritos Policiais Militares (IPM) contra o seu corpo social.

 

A própria FNFi foi dissolvida e desmembrada pela ditadura a partir de 1968, ano que também marcou o acirramento do regime autoritário com a criação do Ato Institucional n.5 (AI-5) que na UFRJ atuou como um importante instrumento para expulsar, sobretudo, os docentes que foram desligados pela aposentadoria compulsória. Ao todo foram 45 professores expulsos da UFRJ pela ditadura desde o golpe, o que provocou a interrupção de várias pesquisas e projetos. A FNFi também foi o local da Universidade com mais estudantes perseguidos e expurgados logo após 1964 e nos anos subsequentes, especialmente com a criação do Decreto-Lei n. 477, de fevereiro de 1969, notadamente conhecido como o “AI-5 das universidades”. Segundo este mecanismo, professores, estudantes e técnico-administrativos acusados de subversão ao regime seriam punidos com a expulsão da universidade sem o direito de retorno a qualquer outro estabelecimento de ensino por um determinado período.

 

Para a manutenção desse aparato de controle do governo ditatorial sobre a Universidade foi importante o apoio de parcela da comunidade acadêmica que não somente colaborou com o regime autoritário, mas se beneficiou com cargos na gestão da administração pública, como o já mencionado reitor Moniz de Aragão e o professor Eremildo Luiz Vianna, catedrático de História Antiga e Medieval e ex-diretor da FNFi, de 1957 a 1963, e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), durante quase todo o período da ditadura.

 

o Estado autoritário combinou a violência com estratégias de negociação e acomodação, para aplacar as oposições, reduzir a resistência ao seu poder e para legitimar as suas ações. Tais estratégias foram particularmente visíveis na relação do Estado com as elites intelectuais, em particular profissionais acadêmicos e produtores culturais. (MOTTA, 2014, p. 26)

 

Segundo Motta (2014, p. 15), a reforma universitária de 1968 combinou o viés modernizador a intentos autoritários e conservadores, assim representada por um lado: a racionalização de recursos; a busca de eficiência; a expansão de vagas; o reforço da iniciativa privada; a organização da carreira docente; a criação de departamentos em substituição ao sistema de cátedras; o fomento à pesquisa e à pós-graduação; e por outro: houve a censura e a repressão às ideias de esquerda; o controle e a subjugação do movimento estudantil; a criação de Agências de Informação para vigiar a comunidade acadêmica (ASIS e AESIS); a censura à pesquisa, à publicação e à circulação de livros; tentativas de disseminar valores tradicionais caros ao regime através de técnicas de propaganda (murais e panfletos) e a criação de disciplinas dedicadas ao ensino de moral e civismo, que nas universidades eram chamadas de Estudos de Problemas Brasileiros (EPB).

 

Outra marca da ditadura e do autoritarismo do governo sobre a UFRJ refere-se à invasão, por forças policiais, da Faculdade Nacional de Medicina (FNM), na Praia Vermelha, em 1966, e à demolição do seu prédio histórico, em 1975 (que será analisada no próximo texto). Essa invasão ficou conhecida, sobretudo pelas manchetes dos jornais, como “massacre da Praia Vermelha”, ocorrido na madrugada do dia 22 para o dia 23 de setembro de 1966, deixando cerca de seiscentos estudantes feridos. Na véspera do massacre, vários universitários do país saíram às ruas em passeata pelo Dia Nacional de Luta Contra a Ditadura convocada pela União Nacional dos Estudantes (UNE) para protestarem contra a cobrança de anuidades nas universidades públicas, contra o projeto de reforma universitária inspirado pelo governo dos Estados Unidos e contra a ditadura que se institucionalizava no país. A passeata foi duramente reprimida pela polícia militar e os estudantes se refugiaram no prédio da FNM, que foi cercado pelas tropas. De acordo com o reitor Aloísio Teixeira (2007-2011), que era estudante universitário do curso de Economia da UFRJ naquela época e participou do protesto em 1966,

 

estávamos na faculdade e a polícia cercou o prédio. Combinamos que ninguém sairia enquanto eles não fossem embora, mas de madrugada a polícia invadiu a faculdade e agrediu todo mundo. As pessoas começaram a subir as escadas correndo até o terceiro andar, mas quando chegamos lá em cima não tinha mais para onde ir. A polícia então formou um corredor polonês do terceiro andar até o térreo e tivemos que descer embaixo de cacetada (Brito, 2006).

 

Esse foi considerado o primeiro grande confronto entre estudantes e as forças de repressão do governo pós-1964, retomado depois com as grandes passeatas de 1968. Inclusive, no ano de 1968 houve outra invasão à UFRJ, dessa vez no Teatro de Arena Carvalho Neto, localizado no Palácio Universitário da Praia Vermelha, onde os estudantes estavam reunidos em assembleia, e a repressão policial militar além de espancar, prendeu vários estudantes no campo de futebol do Botafogo, situado próximo ao campus.

 

Existem teses e dissertações defendidas nos Programas de Pós-graduação da UFRJ que analisam a relação da ditadura civil-militar com a Universidade, a trajetória de alguns personagens envolvidos neste processo e o movimento estudantil neste contexto. Para conhecerem mais sobre esta temática visitem o repositório institucional: Pantheon (https://pantheon.ufrj.br).

 

*Historiadora da UFRJ; Doutora em História Social (UFRJ); e Diretora da Divisão de Memória Institucional/SIBI/UFRJ.

 

Referências

30 ANOS da invasão. Jornal do Cremerj (Rio de Janeiro). 22 set. 1996. (encarte especial).

EREMILDO Vianna nega que tenha cometido crime em sua carreira. Jornal do Brasil (Rio de Janeiro). 1º Caderno, 6 abr. 1978, p.17.

FÁVERO, Maria de Lourdes. Universidade do Brasil: das origens à construção. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.

FERREIRA, Marieta de Moraes. A História como ofício: a construção de um campo disciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

FREITAS, Adriana da Silva. Repressão aos estudantes da UFRJ no cenário ditatorial. 2014. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

PEREIRA, Ludmila Gama. O historiador e o agente da História: os embates políticos travados no curso de História da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1959-1969). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2010.

QUEIROZ, Andréa Cristina de Barros. A UFRJ e a sua modernização conservadora durante a ditadura civil-militar (1964-1985).  Anais do XXIX Simpósio Nacional de História - Contra os Preconceitos: História e Democracia. Brasília: UnB, 2017.

________. A memória institucional e os impactos da repressão na UFRJ (1964-1985). Anais do Encontro Internacional e XVIII Encontro de História da Anpuh-Rio: História e Parcerias. Niterói: UFF, 2018. 

 

Fontes

Imagem 1 - Tropas de policiais militares chegam à Avenida Pasteur, Praia Vermelha e passam em frente ao Palácio Universitário. Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã. Fotógrafo: França. Data: 22/09/1966.

Imagem 2 - Estudante colocando cartaz em protesto contra a ocupação de policiais na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). Banco de Imagens da UFRJ / Cooordcom. Fotógrafo: Odyr Amorim. Data: 17/09/1966

Imagem 3 - Estudante e policiais observam mural de notícias em prédio na Cidade Universitária na Ilha do Fundão. Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã. Fotógrafo: F. Milton. Data: 09/09/1966.

Imagem 4 - Estudantes em Passeata na Ilha do Fundão. Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã. Data: 09/09/1966.

Imagem 5 - Estudantes realizam passeata no centro da cidade. Em destaque a aluna da Escola Nacional de Educação Física e Desporto (ENEFD) com cartaz de protesto. Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã. Fotógrafo: F. Milton. Data:  09/06/1967.

Imagem 6 - Tropas de policiais militares se encaminhando para o Palácio Universitário, na Avenida Pasteur, Praia Vermelha. Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã. Fotógrafo: França. Data: 22/09/1966.

Imagem 7 - Estudantes observam, através da janela da Faculdade Nacional de Direito (FND), os soldados da polícia do Exército na frente do prédio.  Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã. Fotógrafo: F. Marinho. Data: 14/01/1969.

 

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