A Universidade e os anos 1930
Andréa Cristina de Barros Queiroz*
Os anos de 1930 foram caracterizados por muitas transformações no cenário sócio-político nacional, com a Revolução de 1930 e a instauração da ditadura do Estado Novo, ambos eventos e fatores político-sociais refletiram diretamente no projeto de educação nacional que foi sendo definido para as Universidades.
O início dos anos 1930 foi marcado por uma conscientização maior dos problemas educacionais. “A concepção de que a reforma da sociedade se daria pela reforma da educação e do ensino, assim como pelo espírito de criação e de reprodução/modernização das elites, herdados da década anterior, adquiriram maior força e ampliaram suas perspectivas. Tais projetos de reconstrução da sociedade, no entanto, nem sempre convergiram na mesma direção; ao contrário, às vezes se desdobraram em conflito de uns com os outros até serem silenciados com o Estado Novo” (FÁVERO, 2010, p.41).
Em 11 de abril 1931, a Reforma Francisco Campos, reafirmou a centralidade do poder federal sobre as universidades, e também promoveu a primeira reorganização da Universidade do Rio de Janeiro, passando pela reformulação de seus estatutos, dessa maneira, a URJ seria integrada por nove unidades: Faculdade de Direito; Faculdade de Medicina; Escola Politécnica; Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto; Faculdade de Educação, Ciências e Letras; Faculdade de Farmácia; Faculdade de Odontologia; Escola Nacional de Belas Artes; e Instituto Nacional de Música.
Lembramos que em 04 de abril de 1935, sob a prefeitura de Pedro Ernesto (1935-1936) que pretendia obter maior autonomia política para a cidade do Rio de Janeiro frente ao governo federal, foi criada a Universidade do Distrito Federal (UDF), projetada por Anísio Teixeira, integrante da Escola Nova, que em suas bases definia como princípio norteador da nova Universidade o estímulo à cultura, à pesquisa científica, literária e artística para a formação de profissionais e técnicos, e prover a formação do magistério em todos os seus graus. Para Anísio Teixeira, a UDF deveria estar voltada para a produção do saber, e não apenas para a difusão e conservação dos conhecimentos, assim, a formação profissional se baseava na pesquisa científica. E a Universidade estava vinculada ao poder municipal da cidade do Rio de Janeiro, contrariando o estatuto das universidades brasileiras de 1931, de Francisco Campos. O projeto da UDF, apesar de inovador, encontrou muitas resistências, durando até o Golpe do Estado Novo quando a Universidade foi fechada (FERREIRA, 2013, p.21-22)
A grande mudança na Universidade do Rio de Janeiro também ocorreu neste período, quando em 05 de julho de 1937, a URJ foi transformada e reorganizada em Universidade do Brasil (UB) pela Lei nº452. O Ministro da Educação Gustavo Capanema, dando continuidade ao projeto de Francisco Campos, incorporou diversas instituições já existentes algumas anteriores à própria URJ e também os cursos da extinta UDF. Dessa forma, mais uma vez ressaltava-se a fragmentação como traço marcante desde a sua criação, portanto, a Universidade era uma reunião de partes, com isso, como estabelecer um sentimento de pertencimento à Universidade e a relação orgânica de suas unidades?
A UB, segundo Capanema, passaria a contar com quinze Faculdades e Escolas que deveriam incorporar o adjetivo “nacional” às suas denominações; um Museu; e quinze Institutos. Era o início do Estado Novo (1937-1945) de Getúlio Vargas, em que a política governamental autoritária e centralizadora esteve presente na constituição das disposições gerais da Universidade, como a ausência de autonomia desta em relação ao Governo Federal. E neste sentido por meio de um viés autoritário tentava-se manter o sentimento de pertencimento à instituição e a coesão do grupo em prol de um projeto de educação superior que representaria a própria Nação.
Segundo Fávero (2010, p.53), o controle do Estado Autoritário no pós-1937 sobre as instituições universitárias ficou evidenciado pelo artigo 27 da Lei nº452/37, no qual tanto o Reitor como os diretores dos estabelecimentos de ensino seriam escolhidos dentre os respectivos catedráticos, pelo Presidente da República, e nomeados em comissão, até que fosse decretado o Estatuto da Universidade. Todavia, ficou proibida, aos professores e aos alunos da Universidade, qualquer atitude de caráter político-partidário ou comparecer às atividades universitárias com uniforme ou emblema de partidos políticos. Seja como for, a Universidade do Brasil viveu sob o controle explícito dos poderes instituídos, caracterizado pela organização monolítica do Estado, sem qualquer autonomia. Com isso, havia uma exacerbada centralização de todos os serviços de educação, decorrendo daí a concepção de que o processo educativo poderia ser objeto de estrito controle legal.
A partir dessa Lei, a Universidade do Brasil deveria configurar-se como referência a todas as Universidades do país, que existissem ou que viessem a ser criadas, congregando a elite intelectual que se incumbiria da direção da nação. Assim, ela deveria: “resolver-lhe os problemas, preservar-lhe a saúde, facilitar-lhe o desdobramento e a circulação de riquezas, fortalecer a mentalidade do povo, engrandecer sua civilização”. (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA. 2000, p.221).
Por fim, apesar de enfatizar o aspecto democratizante do ensino universitário, o Ministro Capanema criou uma Universidade claramente destinada às elites. Nessa perspectiva, também se incluía o projeto da construção da Cidade Universitária, que pretendia ser o núcleo da produção de saber e da cultura brasileira. As obras, no entanto, não chegaram a ser iniciadas na gestão de Capanema, várias Comissões foram criadas tanto para definir o melhor local para sua construção até mesmo que tipo de projeto arquitetônico e urbanístico seria concretizado. Foram necessárias mais de duas décadas para que a Cidade Universitária fosse enfim inaugurada, em 1953.
*Historiadora da UFRJ; Doutora em História Social (UFRJ); e Diretora da Divisão de Memória Institucional/SIBI/UFRJ.
Referências
FÁVERO, Maria de Lourdes. Universidade do Brasil: das origens à construção. 2ª ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010.
FERREIRA, Marieta de Moraes. A História como ofício: a construção de um campo disciplinar. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2013.
SCHWARTZMAN, S., BOMENY, H. M. B., COSTA, V. M. R. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: FGV: Paz e Terra, 2000.
Fonte:
Lei nº 452/1937