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Passados quatro anos, reúne-se de novo a nossa casa - a Universidade Federal do Rio de Janeiro - em sessão solene de seu Conselho Universitário, para nova investidura de sua vice-reitora e de seu reitor.

É, em aparência, uma cerimônia em tudo igual à que realizamos em 2003, no prédio da Avenida Rui Barbosa 762, prédio histórico, sede que foi do Internato da Escola de Enfermagem Anna Nery e da Casa do Estudante do Brasil.Em sua essência, no entanto, é uma cerimônia bem diferente. Antes de mais nada, porque o tempo passou, e todos nós pagamos tributo ao tempo. E, com o tempo, passam também muitas de nossas ilusões e esperanças, frustradas nos duros embates da realidade.

É tempo de balanço.

No discurso de posse, pronunciado em 18 de julho de 2003, assumi três compromissos perante nossa Universidade:O primeiro, de ordem pessoal, foi o compromisso de permanecer fiel aos mesmos ideais pelos quais lutara durante toda a minha vida: a democracia, a soberania nacional, o socialismo. Pedi-lhes na ocasião que não esquecessem nada do que dissera ou escrevera.

Passados quatro anos, reafirmo meu compromisso e declaro que continuo na mesma trincheira, lutando as mesmas lutas.O segundo era um compromisso da cidadania: dar continuidadeà luta pela transformação social do país. Esse compromisso se expressava em três pontos:

1) a luta pela redefinição dos fundamentos da política econômica;

2) a luta pela recuperação dos programas e dos mecanismos universais de política social - a escola pública, a saúde pública, a previdência social pública - únicos instrumentos eficazes para a redução das desigualdades e para o combate efetivo à miséria absoluta existente no país; acrescentei na ocasião que o sistema de proteção social não podia estar submetido aos ditames do superávit fiscal.

3) a luta pela reconstrução democrática do Estado brasileiro, dotando-o das alavancas indispensáveis à intervenção na vida social - luta essa que implicava a revalorização do serviço público e dos trabalhadores do setor público, instrumento e sujeito que são da realização do projeto nacional.Passados quatro anos, reafirmo meu compromisso, mas não tenho como deixar de reconhecer que continuamos longe desses objetivos.

Na verdade, a política econômica não trilhou caminhos diferenciados que pudessem garantir uma retomada firme do crescimento com distribuição de renda. Ao contrário, o

discurso oficial vem repetindo a falsa idéia de que não existem alternativas ao modelo atual e que a manutenção de elevados patamares de superávit fiscal é a única forma de se manter sob controle a inflação.Nem uma coisa nem outra: o controle da inflação, ao contrário do que se apregoa, não é conseqüência do superávit primário, mas da combinação do câmbio e dos juros; e existem outras formas de controle da inflação, menos penosas para os trabalhadores e para o povo brasileiro.O elevado patamar do superávit primário, que esteriliza centenas de bilhões de reais a cada ano, é importante unicamente para os rentistas, pois serve como lastro e garantia para suas aplicações em títulos da dívida pública. 

E a perversa combinação de câmbio e juros desestrutura nosso sistema produtivo, tornando-o mais vulnerável e menos capaz de confrontar-se com a forte concorrência

internacional, estimulada pela descontrolada abertura financeira e comercial que não foi revertida.As políticas de câmbio e juros continuam inibindo o investimento produtivo e impedindo que qualquer projeto de desenvolvimento possa ter sustentação a médio e longo prazo.

E exigem, além disso, a rolagem das dívidas em patamares que impedem a expansão do gasto público e resultam na impotência quase absoluta do aparelho do Estado para prover com um mínimo de eficiência os serviços públicos básicos sob sua responsabilidade, tanto na área social como na de infraestrutura. 

Se na política econômica não avançamos, igualmente não houve progresso na política social. Os instrumentos de políticas públicas não recuperaram sua universalidade; ao contrário, o caminho adotado foi o da ampliação infinita dos programas de compensação social, que podem até aliviar a fome e reduzir topicamente a miséria, mas que não resolvem estruturalmente o problema da desigualdade.Mais do que isso, volta à ordem-do-dia a reforma da previdência e mais uma vez os direitos dos trabalhadores ficam sob ameaça. Ao constatar esses fatos, não o faço com pessimismo nem com desesperança. Se parte do otimismo que era possível alimentar quatro anos atrás se dissipou, a disposição para a luta permanece a mesma. E devemos travá-la em todos os campos; o Estado e as políticas públicas são, eles também, um campo da luta política. Renunciar a ele poderia constituir-se em erro tão grave quanto o de capitular face às vicissitudes do momento.O terceiro compromisso era com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, seus estudantes, seus servidores técnicoadministrativos, seus professores - compromisso esse que pode ser resumido na frase que pronunciei na primeira reunião do Conselho Universitário de que participei como reitor da UFRJ e que repeti na cerimônia da primeira posse:

“Gostaria que a minha chegada à reitoria, junto com os companheiros que ora me acompanham, sinalizasse uma nova era para a Universidade Federal do Rio de Janeiro e que as diferenças passadas estejam definitivamente encerradas. Tenho a esperança de que estes próximos anos serão um período de paz e reconstrução em nossa Universidade”.Creio que, em relação a esse ponto, podemos constatar com orgulho que avançamos bastante. A Universidade Federal do Rio de Janeiro está pacificada - o que significa tão somente que temos um clima favorável à explicitação de nossas diferenças e divergências e que podemos confrontá-las em um ambiente adequado ao avanço e ao crescimento de nossas atividades.

Orgulhamo-nos, mas reconhecemos que essa não é uma realização da reitoria - é uma conquista de todos nós, uma conquista de nossa Universidade. E se algum papel coube à reitoria, devemos a agradecer a todos os que conosco trabalharam nesses quatro anos. Citarei - e a eles agradecerei - apenas os que não estarão na administração central da Universidade no próximo mandato: Professor Joel Teodósio, Professor Marco Antonio França Faria, Professor José Roberto Meyer Fernandes, Professor José Luiz Fontes Monteiro, Professor Carlos Tannus.Se é tempo de balanço, se é tempo de reafirmar velhos compromissos, também é tempo de anunciar novos embates e perspectivas. E é bom destacar que, em meio às críticas que faço ao Governo e das quais não abro mão, seria não apenas uma inverdade mas principalmente um erro não reconhecer o muito que avançamos, nesses quatro anos, no campo da educação superior.A universidade pública - em especial as federais - recuperou protagonismo, seus orçamentos foram parcialmente recuperados, a interlocução das IFES com o Ministério da Educação foi a melhor em décadas e abriu-se espaço para a discussão de uma verdadeira reforma universitária - não apenas uma alteração de seu marco regulatório, nem uma imposição de mudança em sua estrutura organizativa vinda de cima para baixo, mas uma reforma substantiva da matéria com que trabalhamos, o ensino, a pesquisa e a extensão, e da forma como a trabalhamos.Se ainda estamos distantes de nossos objetivos, não podemos desconhecer os êxitos alcançados - êxitos que não podem ser considerados dádivas, mas conquistas da sociedade brasileira, que exige uma educação superior adequada ao momento porquê passamos. A universidade, como instituição, não está em discussão apenas no Brasil. Ela o está no mundo todo, como decorrência de duas ordens de problemas, ambas sem precedente na história da humanidade e que a impactam fortemente.

A primeira tem a ver com a aceleração do desenvolvimento científico e tecnológico e com a forma como a instituição universitária deve-se estruturar para dar conta desse desafio. Ultrapassamos a época da multidisciplinaridade - atributo do objeto que é visitado simultânea mas separadamente por vários enfoques disciplinares. Ultrapassamos também a época da interdisciplinaridade - atributo do sujeito, que permitia surpreender o objeto na fronteira entre vários enfoques disciplinares individualizados.No primeiro caso, tratava-se de uma justaposição de conhecimentos; no segundo, tratava-se, antes de tudo, da transposição e utilização de métodos próprios a uma disciplina em outra.A época em que vivemos é a o do conhecimento transdisciplinar, que significa uma nova relação entre os conhecimentos. Não apenas o objeto deve transitar de uma disciplina para outra, mas o próprio sujeito deve qualificar-se para a utilização de conhecimentos que transcendem as fronteiras disciplinares. A transdisciplinaridade não elimina nem a disciplina nem os enfoques multi e interdisciplinares, mas os transforma, subordina e reorganiza.A segunda ordem de problemas tem a ver com a expansão sem precedentes que a educação superior alcança em todo o mundo, principalmente mas não só, nos países do centro capitalista. Em vários países da América, da Europa e da Ásia, o percentual de jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que cursam instituições de educação superior, já ultrapassou a casa dos 60 por cento. Ainda há poucos dias, o Ministro da Educação Superior de Cuba, Juan Vela Valdés, declarou que seu país contará em 2009 com um milhão de pessoas graduadas por suas universidades.Tornando-se um direito universal, a que todos podem ter acesso, a Universidade já não pode pensar-se como um mecanismo de produção ou reprodução de elites.

Se essa discussão ocorre em todos os países, não poderia ser diferente no Brasil. Aqui, contudo, o impacto desses processos se dá em uma estrutura de educação superior e em um sistema universitário que se caracterizam por ser tardio, carente de autonomia, precarizado pela insuficiência de recursos, desarticulado do sistema produtivo, voltado quase que exclusivamente para a formação profissional, fragmentado e elitista, à medida em que apenas 10% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos têm acesso à educação superior. Na verdade, todas essas características não passam de faces de um mesmo poliedro.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro não foge à regra; ao contrário, talvez seja seu mais representativo e exitoso exemplo.O momento por que passa o país atualmente encerra graves dificuldades e contradições - disse-o há pouco. Mesmo assim, o acúmulo de iniciativas por parte do Ministério da Educação, no campo da educação superior, cria uma oportunidade sem

precedentes para que a UFRJ possa avaliar-se, profunda e radicalmente, e propor, sem capitulação, mas também sem sectarismo, as transformações que lhe são exigidas.Nesse momento, em que nos apresentamos diante de nossa Universidade - Professora Sylvia e eu - e assumimos a investidura para mais um mandato à frente da reitoria, declaro que pretendo empregar toda minha energia para que a Universidade Federal do Rio de Janeiro possa superar o quadro de limitações que a restringem - algumas impostas, outras criadas ao longo de sua própria história - e responder ao desafio colocado pela sociedade contemporânea com um projeto de transformação, capaz de prepará-la para um futuro marcado pela transdisciplinaridade e pela universalização da educação superior.As diretrizes para essa ação são as que delineamos em nossa Proposta de Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento para a UFRJ, amplamente discutida em todas as unidades da UFRJ, ao longo do ano de 2006.

São também as que estaremos apresentando nos próximos dias, por determinação do Conselho Universitário, como parte do anteprojeto de Programa de Reestruturação e Expansão da UFRJ.Tais diretrizes podem ser resumidas nos seguintes eixos irradiadores:

• Expansão e reestruturação, com garantia de qualificação crescente, das atividades de ensino de graduação e de pós-graduação, pesquisa e extensão, ampliando vagas, permitindo a difusão de uma cultura humanística e crítica, criando novas alternativas e trajetórias de formação profissional e buscando novos paradigmas acadêmicos de educação superior.

• Redefinição dos mecanismos de acesso à Universidade, alternativos e complementares às provas vestibulares, que permita o aproveitamento em nossos cursos de jovens hoje excluídos por razões de renda e o avanço em direção à universalização do ensino superior.

• Redefinição da estrutura de organização e de administração acadêmica, para tornar a UFRJ ainda mais comprometida com o estágio atual e futuro da evolução do
conhecimento e da dinâmica de gestão desse conhecimento.

• Reordenamento espacial das unidades acadêmicas, compatível com o conjunto de objetivos identificados acima e adequado à indução das transformações planejadas.

O Programa que estaremos apresentando tem a marca indelével da ousadia e só poderá completar-se com a reunião de todas as unidades acadêmicas em um mesmo espaço geográfico. Mesmo em um mundo em que o conhecimento circula em redes virtuais e nos coloca instantaneamente em contato com tudo o que se passa em qualquer ponto do planeta, a convivência é indispensável para aproximar pessoas, eliminar barreiras e derrubar muros, criando a matéria-prima indispensável a uma verdadeira cultura universitária.Por isso, estaremos defendendo a retomada do projeto original de implantação da UFRJ no seu campus da Ilha da Cidade Universitária.O término das obras da Cidade Universitária permitirá constituir aqui o locus adequado para a transformação da UFRJ em uma universidade aberta, democrática, de qualidade e acessível a todas as camadas da população.

O término das obras da Cidade Universitária terá, ademais, um significado, um impacto e uma importância que irão muito além dos pontos aqui tratados. A realização de um conjunto de investimentos da proporção do que temos em mente terá efeitos positivos sobre o emprego e a renda na região; o aumento do fluxo de estudantes, servidores técnico-administrativos e professores ampliará o papel da Ilha na integração entre várias áreas da cidade; a proximidade com a Baixada Fluminense - área das mais densamente povoadas do país e que não possui nenhuma universidade pública - nos permitirá suprir essa carência, ampliando os vetores de integração e contribuindo para diluir as fronteiras da “cidade partida”.O Programa de Reestruturação e Expansão da UFRJ, que estaremos divulgando nos próximos dias, será não apenas a nossa resposta aos desafios que a sociedade nos coloca. Será um projeto do e para o Rio de Janeiro, capaz de articular em seu apoio todas as forças vivas da Cidade e do Estado.Professora Iracema Teixeira, minha mãe, cuja presença nessa cerimônia é fonte de incontrolável emoção.

Professor Nelson Maculan, ex-reitor da UFRJ.

Professor Alexandre Pinto Cardoso, ex-reitor da UFRJ.

Professor Paulo Alcântara Gomes, ex-reitor da UFRJ.

Professor Sérgio Fracalanza, ex-reitor da UFRJ.

Professora Anita Macedo, aqui representando o professor Horácio Macedo, ex-reitor da UFRJ.

Senhora Vice-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Senhores pró-reitores e demais membros da administração central da UFRJ.

Senhores Decanos e senhores diretores de unidade.

Senhores dirigentes das entidades de representação de nossa Universidade.

Senhores professores eméritos aqui presentes.

Professor Raymundo de Oliveira, Presidente da Fundação Universitária José Bonifácio.

Dr. Carlos Tadeu, Diretor-executivo do CENPES.

Meus companheiros de todas as lutas, aqui presentes - em especial os companheiros Milton Temer e Sergio Andréa.

Senhores professores, servidores técnico-administrativos e estudantes.

Minhas amigas e meus amigos.

Minhas senhoras e meus senhores.

Apresento-me diante de vocês com a consciência de minhas limitações e dos obstáculos que teremos pela frente. 

“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”, disse Carlos Drummond de Andrade, em A Rosa do Povo. E a vontade de transformá-lo, gostaria de acrecentar.

Juntos, tenho a certeza que o faremos. 

 

Pesquisado e transcrito por

Antonio José Barbosa de Oliveira
Professor do CBG/UFRJ e colaborador da Divisão de Memória
antoniojosearrobafacc.ufrj.br
 

 

Exmo. Sr. Dr. Waldir Pires,

Ministro de Estado do Controle e da Transparência.

Exma. Sra. Deputada Jandira Feghali.

Exmo. Sr. Deputado Francisco Alencar.

Exmo. Sr. Vereador Fernando Gusmão.

Ilmo. Sr. Dr. Ricardo Henriques, 
Secretário-Executivo do Ministério da Ação Social, aqui representando a Ministra Benedita da Silva.

Ilmo. Sr. Dr. Fernando Peregrino, 

Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, aqui representando a Governadora Rosinha Mateus.

Professor Adolfo Polilo, ex-reitor da UFRJ.

Professor Alexandre Pinto Cardoso, ex-reitor da UFRJ.

Professor Paulo Alcântara Gomes, ex-reitor da UFRJ.

Professor Carlos Lessa, ex-reitor da UFRJ.

Professores Clementino Fraga Filho e Nelson Maculan, ex-reitores da UFRJ, ausentes neste momento — o primeiro por motivo de doença, o segundo por se encontrar no exterior — mas presentes em nossa lembrança.

Professora Anita Macedo, aqui representando o professor Horácio Macedo, ex-reitor da UFRJ, a quem presto, neste momento, especial homenagem.

Professor Emérito Carlos Nilo Gondin Pamplona, 
Presidente da Fundação Universitária José Bonifácio.

Professora Emérita Maria Yedda Linhares.

Senhora Vice-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Senhores sub-reitores.

Senhores reitores de universidade,

Senhores diretores,

Senhores professores, servidores técnico-administrativos e estudantes.

Minhas senhoras e meus senhores.

Reúne-se a nossa casa — a Universidade Federal do Rio de Janeiro — em sessão solene de seu Conselho Universitário, para cumprir um ato próprio do ritual acadêmico: a investidura no cargo de sua nova vice-reitora e de seu novo reitor.

Em sentido literal, ritual é a palavra usada para designar um conjunto de práticas, consagradas pelo uso ou ditadas por normas, que devem ser observadas em determinadas ocasiões. As religiões, as primitivas em particular, e as sociedades secretas são exemplos que sempre nos acorrem à memória. Mas a vida social, de modo geral, não dispensa os seus rituais.

Para que servem os rituais? Simplesmente para que os que os praticam manifestem sua intenção de preservar seus valores e reafirmar compromissos.

Para isso estamos aqui hoje reunidos: para declarar nossa disposição de preservar os valores próprios de uma instituição que é a casa dos saberes acumulados no passado e da geração dos novos saberes que servirão de alicerce à construção do futuro.

Para isso estamos aqui hoje reunidos, cercados por companheiros de todas as lutas: para reafirmar os compromissos assumidos ao longo da vida.

Por isso — e não por acaso ou escolha arbitrária — reunimo-nos aqui, neste prédio histórico, carregado de lembranças e simbologia. Construído em 1922, por ocasião das comemorações do Centenário da Independência, o Hotel Sete de Setembro foi, de 1926 a 1973, sede do Internato da Escola de Enfermagem Anna Nery, tornando-se então a Casa do Estudante Universitário. Em 1995, o prédio retornou à posse da UFRJ, tendo sido parcialmente restaurado, empreendimento coordenado pela Fundação Universitária José Bonifácio, com o apoio da Eletrobrás. Destaco a inestimável contribuição das arquitetas da UFRJ, Maria Helena da Fonseca Hermes e Regina Célia Costa de Carvalho, que com sua competência e determinação deixaram sua marca pessoal na realização deste projeto.

Este recinto tem — ele próprio — a sua história: suas paredes guardam a memória da resistência ao arbítrio, da qual foram protagonistas os estudantes, durante a longa noite do autoritarismo. Aqui partidos clandestinos se reuniram, aqui ocorreram os primeiros encontros do Comitê Brasileiro Pela Anistia e da Campanha das Diretas-Já, aqui surgiu o PT do Rio de Janeiro.

Aqui, portanto, se praticava a liberdade quando se tentou desterrá-la da sociedade brasileira.

Aqui será em breve a sede do Instituto de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro - espaço destinado à reflexão e ao debate avançados de temas relacionados à ciência, à cultura, à busca dos determinantes de nossa identidade nacional e das peculiaridades e vocações desta cidade e deste Estado - espaço que será construído sem exclusivismos, para dentro ou para fora de nossos muros, em estreita cooperação com outras instituições produtoras de ciência e de cultura, no país e no exterior, e principalmente em nosso Estado.

Desta forma, preservamos nossos valores e reafirmamos nossos compromissos. Ao realizar nosso ritual acadêmico, reafirmamos a continuidade de nossas lutas e, ao mesmo tempo, deixamos claro que a Universidade continuará a ser a Casa dos Saberes e também a Casa do Estudante.

Os estudantes encontrarão em sua Universidade o espaço para o exercício da rebeldia, pelo qual se construirão a si mesmos como cidadãos.

Três são os compromissos que quero hoje, no momento em que sou investido no cargo de reitor, assumir perante a Universidade:

O primeiro é de ordem pessoal - o compromisso de permanecer fiel aos mesmos ideais pelos quais venho lutando ao longo de minha vida.

Ingressei na Universidade há exatos 40 anos, como estudante de engenharia, envolvendo-me imediatamente nas lutas que atraíam e galvanizavam boa parte de minha geração. Era inevitável, pois para isso fora preparado - cultural e geneticamente - como testemunha privilegiada que fui das lutas democráticas e nacionais dos anos 50, das quais minha casa foi palco.

As lutas estudantis convergiam, no início dos anos 60, para as lutas gerais do povo brasileiro, e a reforma universitária era parte das chamadas reformas de base, com as quais pretendíamos mudar a face da sociedade brasileira. O ideal do socialismo nos inspirava e Marx organizou definitivamente a matriz de meus pensamentos. Ingressei nesse momento no Partido Comunista Brasileiro, onde iria permanecer pelos vinte anos seguintes.

A interrupção da vida democrática em 1964 não só modificou a trajetória política do país como mudou os rumos de minha via. Atraído, como os melhores de minha geração, para a luta pela restauração das liberdades democrática, foi-se tornando cada vez mais difícil conciliar a utopia de uma vida normal com as atividades de organização dos movimentos de resistência ao regime militar. A corrente partiu-se pelo elo mais fraco, e, em 1966, com a policia nos meus calcanhares, não me restou outra alternativa senão mergulhar na clandestinidade.

Em 1968, o quadro agravou-se mais ainda, com o recrudescimento da repressão. E, em 1969, setembro mais precisamente, fui preso e assim permaneci por seis meses. Beneficiado por uma bem sucedida manobra de meus advogados, consegui recuperar a liberdade, ainda que tivesse que continuar respondendo a processo. No dia do julgamento, não compareci e fui condenado à revelia. A opção que me foi oferecida era a de sair clandestinamente do país e viver no exílio, coisa que não me agradava, pois receava que, se fugisse naquele momento, passaria o resto de meus dias atormentado pelo pesadelo da prisão e da tortura. Fiquei.

Em 1974, nova reviravolta. Outra manobra bem sucedida dos advogados levou à prescrição de minha pena. Não houve tempo sequer para comemorar, pois iniciou-se uma violenta onda repressiva contra o Partido Comunista Brasileiro, tendo sido apreendida a gráfica onde se imprimia o jornal A Voz Operária , presos alguns membros de seu Comitê Central e mortos outros. Encarregado, junto com outros companheiros, da remontagem da imprensa clandestina do PCB, escapei por pouco de nova prisão - e talvez da morte - pois muitos dos que estavam comigo naquela empreitada "desapareceram" - presos e assassinados.

Mais uma vez, a opção que me foi colocada era a de sair do país. E, mais uma vez a recusei. Só que por razões diversas. As deusas que regem o destino diziam-me que aquele ciclo da minha vida estava encerrado e sair do país, naquele momento, era continuar por um caminho que já me parecia esgotado. Tomei então uma decisão que a todos pareceu uma prova definitiva de insensatez, mas que, sem a qual, certamente não estaria hoje aqui: voltar à vida legal.

Não era uma decisão fácil: tinha que procurar emprego, e a primeira dificuldade surgia ao tentar explicar o que havia feito nos últimos seis ou sete anos. Ademais, não estava disposto, nem me parecia possível, tanto tempo depois, voltar à Engenharia. Decidi-me por estudar Economia, com a intenção de tornar-me professor.

A oportunidade seguinte foi-me oferecida por Maria da Conceição Tavares, quando da criação do Programa de Pós-Graduação em Economia na UFRJ. Maria da Conceição convidou-me a ingressar no mestrado do IEI, como aluno especial em sua primeira turma. E, ao mesmo tempo, para atuar como pesquisador e professor do Instituto, o que venho fazendo regularmente desde 1979.

O último degrau - o doutorado - foi galgado na Unicamp, onde, também como aluno especial, nos anos de 1983 e 1984, cursei os créditos obrigatórios e convivi com João Manuel, Belluzzo, Luciano Coutinho e a própria Maria da Conceição, dos quais fui aluno, em cursos relevantes para minha formação, e companheiro em memoráveis noitadas de discussão.

O advento da Nova República interrompeu minha vida acadêmica, levando-me a abandonar o trabalho de elaboração da tese - só retomado e concluído quase dez anos depois.

A Nova República inaugurou uma nova vida, marcada pela experiência como administrador público: diretor de planejamento da FINEP, Secretário de Preços Industriais do Conselho Interministerial de Preços e Superintendente da SUNAB, durante o Plano Cruzado, Secretário de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, Secretário-Geral do Ministério da Previdência e Assistência Social. Interrompida esta experiência, com a saída do governo, em 1988, dos Ministros Renato Archer, Celso Furtado e Luiz Henrique, foi ela retomada em 1993, após o processo do impeachment do presidente, quando, novamente a convite de Renato Archer, ocupei, por dois anos o cargo de Diretor de Administração da EMBRATEL.

Refazer esta caminhada aqui, hoje, não tem apenas o sentido da rememoração. O sentido maior consiste, isto sim, em afirmar que se ao longo destes 40 anos permaneci um combatente das mesmas lutas - a democracia, a soberania nacional, o socialismo. E não pretendo abandonar esta trincheira. Peço-lhes que não esqueçam nada do que disse ou escrevi.

Esta rememoração, ademais, leva-me ao segundo compromisso que assumo hoje aqui. Compromisso da cidadania, de continuar a luta pela transformação social do país.

Como cidadão, como economista e como professor, continuarei a lutar p ela redefinição dos fundamentos da política econômica:

•  Os fluxos de capital internacional devem ser objeto de controle;

•  A taxa de câmbio deve ser regulada;

•  A taxa de juros deve baixar;

•  O superávit fiscal deve ser reduzido a patamares compatíveis com as possibilidades do crescimento econômico;

•  Acima de tudo, os mecanismos do gasto público devem ser acionados - particularmente através de investimentos em educação, saúde, saneamento e nos grandes sistemas de infra-estrutura e logística - pois sem eles não haverá investimento privado significativo.

Continuarei a lutar pela recuperação dos programas e dos mecanismos universais de política social - a escola pública, a saúde pública, a previdência social pública — pois sem eles não haverá instrumentos eficazes de redução das desigualdades, muito menos de combate efetivo à miséria absoluta existente no país. O sistema de proteção social não pode estar submetido aos ditames do superávit fiscal.

Continuarei a lutar pela reconstrução democrática do Estado brasileiro, dotando-o das alavancas indispensáveis à intervenção na vida social. Continuarei a lutar pela valorização do serviço público e dos trabalhadores do setor público, instrumento que são para a realização do projeto nacional.

•  O que significa rejeitar, em termos absolutos, a assim chamada proposta de reforma da previdência atualmente em tramitação no Congresso Nacional, na verdade uma modificação radical do regime próprio de previdência d servidor público - que só teria sentido se o desmonte do Estado permanecesse como objetivo do atual governo.

Continuarei a lutar pela reforma do sistema da propriedade, única forma de se desconcentrar a riqueza e alcançar êxitos verdadeiros e duradouros em termos de redistribuição de renda.

Continuarei a lutar pelas mesmas causas que me mobilizam há 40 anos, até porque sei que avançamos muito pouco, nestes meses em que a esperança parecia ter vencido o medo.

Mas não poderia deixar de reafirmar aqui o meu otimismo com o que está acontecendo no país. Lutar hoje pelas mesmas causas não significa desconhecer as transformações ocorridas nem utilizar as mesmas formas de luta dos últimos anos.

A eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência da República inaugurou uma nova fase no desenvolvimento histórico do Brasil. E o sujeito desta mudança foi o povo brasileiro. Se o governo ainda não mudou, se o governo está deixando a desejar, o povo mudou.

Ao se decidir a votar em um dos seus - e não em um representante das elites - o povo brasileiro deu início a uma verdadeira “revolução cultural”, cujos efeitos, em sua amplitude e profundidade ainda não foi percebida por muitos de nós.

•  Pela primeira na história brasileira, temos um presidente que não olha o povo de cima, mas como seu igual.

•  Pela primeira vez em décadas, temos um governo que não se legitimará pela eficiência econômica e administrativa, mas exclusivamente no campo da política.

E é nesse campo que devemos entrar, com atitudes novas e, acima de tudo, com propostas concretas de renovação das políticas públicas.

Há uma década, a denúncia e o protesto eram as armas com que se podia resistir à escalada destrutiva das políticas públicas desorientadas. Hoje essas armas são, na melhor das hipóteses, insuficientes. Movimentos sociais e instituições da sociedade civil têm que ser propositivos, abrindo e alargando os espaços do debate político, para construir um novo bloco histórico, fundante de uma nova hegemonia.

O “denuncismo” e a utilização das velhas formas de luta podem não só revelar a persistência da crença na ação salvadora de um homem (ou de um governo) - e não na capacidade de auto-organização da sociedade - mas levar-nos a perder a oportunidade histórica de mudar o próprio destino do país.

O entendimento desta nova realidade - e o otimismo com que a encaro - leva-me ao terceiro compromisso. Compromisso para com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, seus estudantes, seus servidores técnico-administrativos, seus professores.

Em 1995, após a experiência como administrador público, retornei definitivamente à Universidade, para dedicar-me exclusivamente às atividades de ensino e pesquisa - das quais, aliás, não pretendo me afastar.

Mas o processo de desmonte da Universidade pública no Brasil, então em curso, exigia de todos nós algo mais que a continuidade de nossas atividades cotidianas.

•  A gestão orçamentária e financeira baseada em cortes de verbas, contingenciamento de despesas, atraso da liberação dos créditos devidos - estou falando do governo passado - inviabilizavam cada vez mais a manutenção das universidades públicas.

•  As políticas de apoio à pesquisa centrada nos chamados “grupos de excelência” e não no desenvolvimento institucional das universidades - estou falando do governo passado - frustrava a expectativa dos novos pesquisadores e fechava espaço aos grupos emergentes.

•  A implementação de uma política geral para o servidor público que aviltava sua importância social, desrespeitava seus direitos e reduzia sua remuneração - estou falando do governo passado - desacreditava o próprio papel do Estado.

Face a isso, a resistência da UFRJ era enfraquecida pelas dissensões que a consumiam há mais de uma década. O processo de escolha de um novo reitor, em 1998, pareceu-me o momento adequado para a construção de uma sólida unidade, através da qual a Universidade pudesse manifestar seu repúdio às políticas em curso.

O desfecho daquele processo é bem conhecido de todos: tivemos - a professora Sylvia e eu - a preferência da maioria. A unidade, entretanto, não havia sido alcançada e as dissensões pavimentaram o caminho para a intervenção governamental.

Os anos que se seguiram, na vida de nossa Universidade, foram difíceis . Presto aqui homenagem aos artífices da luta e da resistência - os estudantes, os técnico-administrativos, os conselhos superiores de nossa universidade - em especial o Conselho Universitário, do qual tive a honra de participar como representante dos professores titulares do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.

Presto aqui homenagem aos decanos daquela época, em especial aos professores Carlos Lessa, Sergio Fracalanza e Oscar Acselrad, que, em momento algum, deixaram que se diluísse na memória a violência que se abatera sobre a UFRJ. Presto homenagem ao professor Oscar Rosa Matos, talvez o mais determinado de todos nós em seu esforço para impedir que o arbítrio pudesse ter curso.

Lembro esta história não porque busque qualquer reparação por eventual injustiça que tenha contra mim sido cometida naquela ocasião.

Jamais, em toda a minha vida, senti-me vítima de qualquer injustiça. Se fui preso e torturado, era porque havia uma ditadura no país e eu era um opositor radical. (Poderia sentir-me vítima de injustiça se não houvesse sido perseguido naquele período de obscurantismo).

Se fui vetado pelo governo passado para o exercício do cargo de reitor, era porque opunha-me, publicamente, às políticas em curso — e, se adesão política e a subserviência aos poderosos do dia eram os critérios adotados para a escolha dos dirigentes universitários, nada mais justo do que não ser conduzido à reitoria.

Lembro esta história, também, não para reabrir as feridas do passado, mas para fechá-las definitivamente.

Repito as palavras que pronunciei na primeira reunião do Conselho Universitária de que participei, após minha posse em Brasília:

“Gostaria que a minha chegada à reitoria, junto com os companheiros que ora me acompanham, sinalizasse uma nova era para a Universidade Federal do Rio de Janeiro e que as diferenças passadas estejam definitivamente encerradas. Tenho a esperança de que estes próximos anos serão um período de paz e reconstrução em nossa Universidade”.

É com os olhos postos no futuro e não do passado que participo hoje desta cerimônia. Declaro hoje aqui o fim das dissensões do passado. Nossas divergências, doravante, serão a razão de nossa força.

E são o otimismo com que encaro o presente e a certeza de que a união que estamos construindo é a mais forte da história de nossa universidade - porque fundada em um projeto positivo de mudança - que me animam a dizer que os cinco anos transcorridos não foram de espera, mas o tempo de maturação para que pudesse viver, junto com a Universidade, a grande mudança que iremos realizar.

Mudança em direção:

•  À autonomia universitária, entendida não como uma demanda corporativa, mas como a única forma de organização em que a casa dos saberes pode existir;

•  À renovação dos mecanismos de financiamento do ensino superior;

•  À reestruturação das carreiras docente e técnico-administrativo, de modo a reconhecer e valorizar as atividades que desempenham os trabalhadores do ensino na universidade;

•  A uma verdadeira reforma universitária, reconcebendo as estruturas organizacionais — administrativas e acadêmicas — repensando os currículos e as carreiras e adotando novos métodos didático-pedagógicos, de modo a promover a transdisciplinaridade e a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão.

Acima de tudo, é preciso que a Universidade, neste tempo de mudança, assuma sua responsabilidade social, o que significa:

•  Em primeiro lugar, expandir a graduação, ampliar a oferta de cursos e democratizar o acesso ao ensino superior;

•  Mas também envolver-se com o grande debate nacional, pela renovação das políticas públicas, em particular a educação fundamental, de modo a inserir-se no esforço de superação do atraso e da desigualdade;

•  E, finalmente, participando intensamente da vida social, em particular a das comunidades com que faz fronteira, com elas convivendo e abrindo as suas portas para o conhecimento que geram e do qual a Universidade não pode permanecer distante.

Sabemos que não pode haver Universidade se não houver projeto nacional. Sabemos também que não pode haver projeto nacional sem a existência de uma verdadeira universidade, produtora e difusora de conhecimentos e espaço crítico de pensamento sobre a realidade do país.

A Universidade Federal não quer apenas ser parte deste projeto. Ela quer integrar o conjunto ativo dos sujeitos do processo de mudança.

E eu, tendo vivido várias vidas em uma única existência, retorno hoje ao espaço de luta em que comecei, para realizar a unidade de todas essas vidas.

Pode ser que, mais uma vez, ao final da caminhada não nos espere a vitória. Não faz mal. Mas nunca poderão nos acusar de ter recusado a boa luta. Porque esta é a nossa TAREFA, nas palavras do poeta Geir Campos: 

 

“Morder o fruto amargo e não cuspir

mas avisar aos outros quanto é amargo,

cumprir o trato injusto e não falhar

mas avisar aos outros quanto é injusto,

sofrer o esquema falso e não ceder

mas avisar aos outros quanto é falso;

dizer também que são coisas mutáveis...

E quando em muitos noção pulsar

— do amargo e injusto e falso por mudar —

então confiar à gente exausta o plano

de um mundo novo e muito mais humano” .

 

Pesquisado e transcrito por

Antonio José Barbosa de Oliveira
Professor do CBG/UFRJ e colaborador da Divisão de Memória
antoniojosearrobafacc.ufrj.br

 

 

Abrindo a sessão, o Exmo. Sr. Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, roga ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República que profira as palavras de entrega da Cidade Universitária.

Sua Excelência, General Emílio Garrastazu Médici, pronunciou a seguinte oração:

Estava ainda no começo o atual período governamental, quando determinei se retomassem imediatamente as obras da cidade Universitária, na Ilha do Fundão, para que esse projeto, na sua primeira etapa, se ultimasse até o Sesquicentenário da Independência.

Providenciados, ato contínuo, os recursos financeiros, instituídos os órgãos de coordenação dos trabalhos, estes se desenvolveram segundo os cronogramas estabelecidos, sob a supervisão vigilante, quer das autoridades universitárias, quer do Ministro da Educação e Cultura, quer da própria Presidência da República.

Graças não só a isso, mas também à exemplar dedicação e competência dos responsáveis diretos por esse empreendimento, no qual se investiram, até agora, cerca de Cr$ 400 milhões, procedo a entrega, solene, neste momento, da Cidade Universitária do Rio de Janeiro à sua ilustre e proficiente corporação de professores e alunos.

Dentro da Semana da Independência, data para isso estipulada há mais de dois anos e meio, transforma-se, desta maneira, pela eficácia da ação administrativa, em promissora realidade, transcendente deliberação que se insere, de modo eminente, no quadro das providências articuladas para democratizar o ensino e assegurar a todos, nos termos constitucionais, o direito à educação.

De todos os tempos é a angústia que põe, no coração do homem, a ânsia de saber, como permanente é a sua tentação de arrancar, a qualquer custo, da árvore da ciência, o fruto do conhecimento, para desvendar os impenetráveis estigmas que o torturam.

Fenômeno inteiramente novo, porém, pelas suas proporções, como fato social, é a força criadora assumida, no mundo contemporâneo, pelo impulso educacional, convertido numa das principais fontes de energia da sociedade moderna.

Dever comum, tanto de governantes como de governados, é contribuir, com total esforço, para que esse potencial de energia, expandido-se e avolumando-se, em ritmo de celeridade crescente, se torne fonte de prosperidade social.

Cumprindo esse alto e indeclinável dever, os Governos da Revolução se empenharam, fundamente, desde a primeira hora, em difundir e aperfeiçoar o ensino, em todos os graus, alargando, assim, o campo das prestações educacionais e melhorando, ao mesmo tempo, a sua qualidade.

As barreiras ou obstáculos culturais, que possam embaraçar o caminho do progresso social aos que a ele, pelos seus predicados de inteligência, se achem destinados, são rompidos, destarte, metódica, contínua e inflexivelmente, pela política educacional do Governo, que, nesse terreno, como em tantos outros, moderniza rapidamente o país.

Reformas de profundidade, inspiradas nos melhores princípios pedagógicos, se introduziram nos primeiros graus do ensino, em cuja organização não se esqueceu o imperativo de orienta-lo no sentido das exigências do nosso tempo.

Não se olvidou, também, a necessidade de acudir, para resgate de penoso débito social, àqueles que, por deficiência de escola, se deixaram estar na legião dos iletrados, cujo contingente decresce, a olhos vistos, em razão de eficiente e animosa campanha que para esse fim se empreendeu.

Não era possível manter, além disso, sem modificações fundamentais, as antigas feições do nosso sistema universitário, cujo encargo se esgotava, quase por completo, em prover aos reclamos de uma sociedade de traços definidos, em descansado ritmo de progresso.

Os novos característicos da sociedade brasileira, em trabalho de permanente e acelerada transformação, impunham, assim, a urgente reforma da estrutura universitária, a fim de que bem possa cumprir o seu indispensável ofício de preparar a inteligência brasileira para as graves responsabilidades que sobre ela pesam na plasmação do nosso destino histórico.

Assentados, já em 1966, mediante providências legislativas, os lineamentos da universidade nova, que se pretende instaurar entre nós, prosseguiram, nos anos subseqüentes, as medidas de racionalização do ensino superior, pela qual a instituição universitária ganhará eficiência cada vez maior para influir, tanto quanto lhe cumpre, no progresso econômico e social da nação.

Dentro de linhas flexíveis, que lhe não tolhem a espontaneidade de ação, cuidou-se de imprimir-lhe, realisticamente, os rumos sugeridos pelos interesses de uma civilização científica e tecnológica, que suscita, a cada passo, novos e difíceis problemas, tornando, a todo momento, mais áspera e angustiante a escalada do saber.

Aperfeiçoaram-se, de um lado, os meios para que a universidade transmita os conhecimentos herdados pela tradição especulativa e pelos achados da experiência, não se consentindo, por conseguinte, que se obliterem, quando valiosas, as contribuições culturais efetuadas ao longo dos tempos.

Particular relevo se atribuiu, no entanto, por outro lado, ao processo de criação científica, estimulando-se, para isso, nos quadros universitários, as tarefas de investigação.

Articulou-se, por fim, a instituição universitária com a sociedade, abrindo-se caminho para que ambas se influenciem mutuamente, em proveito do interesse comum, uma requerendo as prestações de ensino e investigação de que necessita para os seus empreendimentos, outra mobilizando-se para formar os técnicos e pesquisadores, de que a sociedade precisa a fim de modernizar-se e progredir. 

Ajustam-se os cursos acadêmicos, desse modo, natural e objetivamente, às reais exigências da sociedade, estancando-se paulatinamente a proliferação de profissionais, munidos de grau universitário, cuja carreira na especialidade escolhida é truncada pela deficiência de emprego para a sua habilitação acadêmica.

As mutações incessantes e velozes a que está sujeito o mundo de hoje, principalmente no plano científico e tecnológico, obrigam, de outra parte, à revisão contínua dos conhecimentos adquiridos, tornando o aprendizado atividade quase constante. Como não basta aprender a aprender, para que se dominem prontamente os novos conhecimentos suscitados pelo avanço técnico e científico, incumbe à organização universitária promover cursos extracurriculares, de caráter especial, para difundir, com presteza, as invenções mais recentes do saber teórico ou prático.

Confirmando a regra de que os caminhos da mobilidade social passam através da escola, a campanha educacional impele, atualmente, para os cursos superiores, largo contingente de alunos originários de camadas sociais, que somente agora passam a trilhar as vias de acesso aos bancos universitários .

Tamanho é o vigor desse movimento ascensional que, em algumas universidades, mais de um terço do alunado procede, hoje, de genitores desprovidos de curso primário.

Os investimentos raramente generosos de energia humana e de recursos materiais no acabamento desta grande Cidade Universitária, cujas obras se mantiveram, por largo tempo, em colapso quase total, refletem exatamente as proporções da ação governamental na esfera da educação, exprimindo a confiança depositada nesse cometimento como fator de progresso social.

Ao lado de suas funções de ensino e pesquisa, compete a esta insigne instituição universitária, bem como às organizações congêneres, em todo o país, a missão capital de concorrer, com sabedoria e prudência, para que as novas gerações aprendam a superar-se, enriquecendo, pelo seu devotamento ao interesse comum, o patrimônio moral e os valores espirituais de que são legatárias.

Diante dos instrumentos que estão sendo postos à sua disposição, para galgar os degraus do saber, é bem possível que em prazo relativamente breve, o homem comum venha a conquistar, na ordem cultural, posição que antes era privilégio de poucos. A sua ingerência nos negócios públicos e privados se tornará, então, ainda mais relevante, crescendo a sua responsabilidade no delineamento das instituições sociais e políticas.

Acreditando no poder da inteligência educada, na sua capacidade de engendrar soluções convenientes para os problemas humanos, ainda os mais críticos, creio firmemente que o nosso desenvolvimento cultural não permitirá se embarace a arrancada, ora em curso, para a construção de uma sociedade próspera e harmoniosa.

Assim como o valor moral da ciência está, porém, na maneira como é utilizada, nos fins por seu intermédio perseguidos, o cabedal de conhecimentos que se distribui entre os brasileiros, pela difusão do ensino, tem que ser posto, para se fazer profícuo, a serviço da solidariedade e da cooperação social.

Não basta, pois, a consciência de que, pela vontade racional, o homem pode, hoje, vencer as mais rudes dificuldades. Não basta, igualmente, o reconhecimento de que, pela potência intelectual, se torna ele cada vez mais responsável pela sua própria história. É preciso, ainda, que lhe não falte a lucidez necessária para discernir, entre os interesses em conflito, aqueles que melhor consultam o bem individual e coletivo.

Cumpre, desse modo, que se revista de uma das maiores coragens, a coragem moral, para colocar os deveres da fraternidade e da justiça acima de preocupações personalistas, não condizentes com o bem comum.

Filiando-se, de modo inabalável, a esses princípios, o regime revolucionário, totalmente identificado com as aspirações nacionais, desdobra todas as suas energias para assentar, na sociedade brasileira, estrutura econômica, social e política que proporcione a cada qual o desenvolvimento da sua personalidade e confira a todos o bem-estar requerido pela ordem solidária e humanista a cuja instauração nos consagramos.

Seguro de que, por essa forma, estamos rasgando para o Brasil as avenidas reclamadas pela sua predestinação de progresso e grandeza, sabemos que essa tarefa patriótica, em que se conjugam os esforços de todos os brasileiros, administradores e administrados, encontra um dos seus mais decisivos pontos de apoio nas aptidões intelectuais da nossa gente, na facilidade demonstrada pelo brasileiro em adquirir novas qualificações e no seu constante anseio de alargar os horizontes espirituais.

Procurando satisfazer, assim, por todas as formas, a admirável vocação da grande família brasileira para o aprendizado e o aperfeiçoamento intelectual, o governo desenvolve e valoriza o mais precioso dos recursos de que dispõe o país, os recursos humanos, os quais se inserem na própria substância da nação e fornecem a exata medida do seu valor e do seu poder.” 

 

Saudação do Reitor ao Presidente Médici, em nome do Conselho Universitário, no salão nobre da Reitoria da UFRJ

“Não podia a Universidade calar, nesta hora e nesta Semana Cívica, sua gratidão ao Presidente que, no limiar de seu governo, decidiu, entre as grandes tarefas que se antolhavam, a realização do campus que agora se inaugura. E a decisão memorável na história da educação superior do país revela inspiração da mais íntima sintonia com a significação do ano remoto que marcou o madrugar de uma pátria.

Por trás do gesto de Pedro I já se perfila a sombra universitária de José Bonifácio. O sábio, que recebeu condecorações das Universidades de seu tempo, ressurge agora como nome tutelar da cultura nacional. E pelos fios invisíveis da vitalidade da tradição, o decreto n.º 66.105 de 22 de janeiro de 1970 vai prender-se àquelas decisões históricas.

A equipe, que a meu lado representa o esforço obediente ao compromisso assumido, não desertará do cumprimento dos deveres compreendidos no período de um mandato.

Senhor Presidente, conheço sua austeridade e sua nobre e superior indiferença aos festejos da lisonja que envolvem sempre o exercício do poder. Nossas palavras não dissentem dessa linha moral que lhe define o caráter de soldado e dignidade de cidadão. E é traduzindo o sentimento do nosso mais alto Colegiado, que é o Conselho Universitário, que agradeço àquele que deu o impulso às obras paralisadas e abriu perspectivas de estudo e trabalho a professores e alunos, nessa atmosfera onde se configura o ideal científico e ético da nacionalidade.

Exprimo aqui a gratidão e a lealdade para com um Presidente que, em meio as sugestões contrárias teve a visão nítida do grande objetivo. É um ato insopitável de justiça a palavra comovida de reconhecimento que lhe transmite o Reitor em nome da Comunidade que tem a honra de representar, ampliando o agradecimento àqueles que mais de perto assistem a V.Ex.ª nos encargos do Governo, com especial menção do Sr. Ministro da Educação.

Brindo na presença de V.Ex.ª a continuidade da renovação institucional do país, a reorganização das universidades e a segurança reconquistada da família brasileira. 

DJACIR MENEZES 

REITOR 

*Composto e Impresso no Serviço Industrial Gráfico da Área de Pessoal e Serviços Gerais da UFRJ.

Pesquisado e transcrito por Antonio José Barbosa de Oliveira

Professor do CBG/UFRJ e colaborador da Divisão de Memória Institucional
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Senhores Conselheiros da UFRJ: quero, nesta primeira reunião que presido como reitor eleito e empossado começar agradecendo a todas aquelas instituições e representações políticas que, prontamente, validaram nossa consulta, percebendo-a como essencial à preservação e restauração de nossa Universidade e à restauração de nossa dignidade.

A UFRJ foi apoiada pela totalidade dos vereadores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, pelo antigo e pelo atual prefeito. Entendemos que estes representantes políticos nos disseram da importância que a cidade do Rio de Janeiro confere à mais antiga e qualificada Universidade pública federal do país. O Rio sabe que a UFRJ, com mais de 3.500 professores, quase 10 mil funcionários técnico-administrativos e 40 mil estudantes, é uma “cidade do espírito” inscrita na essência da vida metropolitana.

È hora de agradecer pela espontânea manifestação aos 61 dos 70 deputados da Assembléia Legislativa Estadual, ao excelentíssimo ex-governador e excelentíssima governadora. Explicitaram sua clara consciência sobre o significado de realizarmos neste estado 195 cursos de graduação e quase duas centenas de programas de pós-graduação e de aqui estarmos operando mais de 500 laboratórios, além de 41 bibliotecas, 7 hospitais, 2 museus, 2 orquestras, tudo em sinergia com as variadas dimensões da vida regional.

A UFRJ se emocionou com o requerimento de voto de aplauso assinado pelos três senadores do Rio de Janeiro – Roberto Saturnino Braga, Artur da Távola e Geraldo Cândido – bem como com a manifestação da maioria dos deputados federais da bancada fluminense, pela oportuna lembrança, ao Congresso Nacional, do que representa esta Universidade. Reiteraram ao Brasil que a UFRJ é essencial à coluna central davida acadêmica; é espaço de preservação e reelaboração crítica da memória nacional; contribui para e acompanha o desenvolvimento científico, tecnológico e intelectual mundial; interage com os centros de saber das outras nações e, assim projeta a civilização brasileira para muito além de nossos limites.

Foi, para nós, reconfortante o extenso apoio recebido pela UFRJ de entidades acadêmicas, profissionais, sindicais e culturais do país, em especial de nossas Universidades co-irmãs. Instâncias fundamentais da sociedadeorganizada, sublinharam a imprescindibilidade da UFRJ para a construção da nação brasileira.

A UFRJ nasceu como simulacro da Universidade e foi, durante muito tempo, uma frouxa confederação de escolas – sólidas, porém cada qual com sua cultura própria. Desenvolveu-se sem um plano diretor, e foi criando historicamente seus conteúdos e improvisações e casuísmos. Apesar deste processo, a UFRJ é uma instituição pujante e dinâmica.

Aqui e acolá, é fácil sustentar a afirmação. è notável que, apesar dos difíceis últimos anos, não tenha havido quebra de desempenho da UFRJ. Em maio deste ano, a média brasileira diária de extração de barris de petróleo superou 1,53 milhões/dia. Setenta e três por cento deste petróleo é do mar: a UFRJ foi parceira decisiva deste feito.

No Hospital Universitário, estão sendo testados novos imunizantes para AIDS. No dia 5 de julho foi noticiado que o Departamento de Histologia da UFRJ e o Texas Heart Institute estão desenvolvendo um método de terapia celular que restaura artérias cardíacas. Na UFRJ, está avançado o ensaio de utilização de células-tronco para recriação de tecidos mortos em doentes de coração. Todos os sábados, nos fundos da Escola Nacional de Música da UFRJ, um grupo preserva e aperfeiçoa a música instrumental popular brasileira. Em quase todas as Escolas de Enfermagem da América do Sul atuam pós-graduadas de nossa Escola Anna Nery. O Rei Lear, de Shakespeare, teve sua melhor tradução para o português feita por um professor nosso. Realizamos, todos os anos, cursos de graduação e pós-graduação com o mais alto desempenho.

Poderíamos seguir colocando a assinatura de nossa Universidade em uma espantosa e extensa relação de êxitos. Porém, apesar de publicarmos mais de 50 revistas acadêmicas de qualidade internacional, não valorizamos o ícone que as tornaria facilmente reconhecíveis como sendo “de uma mesma família”. Tampouco dispomos de um catálogo plurilíngue que nos apresente extrenamente.

Este tipo de modéstia não é virtude, mas um defeito genético-constitutivo. Alguma vez fomos acusados de corporativistas, quando nosso problema é, pelo contrário, orgulho circunscrito a unidade por unidade, e displicência em relação ao conjunto. Precisamos fortalecer a corporação e, para tal, esta reitoria pede que todos os membros da Universidade se sintam co-signatários de suas realizações. Precisamos expressar nossa auto-estima como sentimento de pertinência a esta casa.

Este é o momento para meditarmos sobre o significado de esta reitoria ter sido honrada com 85% dos votos de cada um dos três corpos que compõe a instituição. Este resultado evidencia a busca por unidade, por coesaão, que hoje anima nossa Universidade. Ao consagrar o programa apresentado, nossa comunidade sublinhou a necessidade de pleno respeito à construção de decisões colegiadas.

Dada a heterogeneidade e variedade de tarefas da instituição, somente é harmonizável e potencializável sua atuação se houver plena atividade das formas de representação estatutárias e acatamento àssuas deliberações. Os episódios dos últimos anos demonstraram à sociedade esta necessidade. A partir de hoje, as decisões dos colegiados superiores da Universidade terão força imperativa. A plenitude dos conselhos exige seu poder de auto-convocação e independência na construção de pauta. Estamos prevenidos quanto ao grave desvio da conversão de instâncias executivas em balcão de micro-negociações políticas. A controvérsia nos colegiados com a explicitação dos fundamentos doutrinários e com a argumentação que convoque a melhor informação empírica, pela via do exercício racional e democrático, qualifica e enriquece a decisão e robustece a corporação.

O reitor é o guardião das regras de convivência e construção acadêmica. Internamente, terá que dar conseqüência às decisões dos órgãos colegiados, e garantir o máximo de transparência na gestão cotidiana da instituição. Externamente, é a voz da Universidade em relação à sociedade civil e política. Particularmente importante será nosso diálogo institucional com as Universidades co-irmãs e demais instituições acadêmicas.

É fundamental desenvolver a musculatura da corporação pela prática democrática responsável. Exige o progressivo reconhecimento do que é a UFRJ, do que faz, quais problemas enfrenta e que políticas adota.

É necessário exorcizar nossas excessivas segmentação e tendência ao isolamento das unidades. O respeito mútuo entre os integrantes e seu compromisso com as políticas da instituição podem vir a ser, muitas vezes, o paliativo para as limitações materiais. A auto-estima e a convicção de pertinência a uma corporação digna são salvaguardas para tempos difíceis que se avizinham, e o antídoto para que não sejam repetidos lastimáveis episódios do passado recente.

A construção de futuros é a principal missão da Universidade. Profissionais, intelectuais, críticos, quadros dirigentes, experimentados e amadurecidos, são egressos da Universidade e temperados pela vida. São os futuros imprescindíveis. Da Universidade emana o desenvolvimento científico que alimenta as tecnologias do futuro. Como espaço de liberdade e criação, explicita sonhos, desenha projetos, inspira comportamentos futuros. A Universidade é a última etapa de uma seqüência pela qual a sociedade se reproduz. Pelo ventre da mãe, pela passagem na creche, pelo jardim de infância, pelo ensino fundamental e pelo médio, desemboca a juventude na Universidade. A educação pública somente foi universalizada no século XX. A sociedade, cada vez mais, aplica anos à educação formal de seus integrantes. Apesar de ser a última etapa, historicamente a Universidade foi decisiva para implantar a educação universal. É a chave para o aperfeiçoamento daquela seqüência. Qualquer projeto nacional deve pensar aquela cadeia como sistema integrado, cuja garantia de contínua qualificação reside no patamar universitário.

A Universidade não é prisioneira do momento. Preserva e reprocessa o conhecimento passado. Tem que estar sintonizada com o atual, decodificando seus desafios e potencialidades e buscando decifrar seus enigmas. Dada a natureza de sua missão, está obrigada a pensar com generosidade e responsabilidade os amanhãs. Não pode ser ingênua, porém tem que ser sonhadora. O pragmatismo não pode, jamais, porém tem que ser sonhadora. O pragmatismo não pode, jamais, ser dominante no espaço universitário. O humanismo inerente a uma “casa do espírito” tem a obrigação de decantar uma ética que subordine o poder da técnica. Tem que exercitar a consciência social para a realidade do mundo, do conhecimento e da nação. É necessário continuamente reinventar a utopia.

A formação da juventude é nossa responsabilidade imediata. Disto decorre um inegociável compromisso com a qualidade. O sonho do mestre é ser superado pelo discípulo. As novas gerações têm que nos superar em grau de adestramento, competência, capacidade criativa e crítica. O ensinar visa à independência intelectual do educando; por isto, a pesquisa é inerente à Universidade. A nova geração tem que ser criativa. A formação e a competência exigem aprender fazendo. Daí o papel vital da extensão. Entretanto, a Universidade somente é instituto de pesquisa ou instância prestadora de serviços na medida em que eleve a qualidade do processo de formação de novos quadros. A centralidade desta missão não pode ser esquecida. As carreiras universitárias têm que ser preservadas de mutilação; o encurtamento não as substitui; a conviviabilidade no lugar universitário é essencial à formação acadêmica. A Universidade pode desenvolver educação à distância, realizar cursos de extensão compactos e até mesmo ser uma agência promotora de novas empresas (incubadora), porém tudo isto é acessório e não pode ocultar o compromisso central.

A Universidade é essencialmente pública desde a Revolução Francesa. Desde então, tem sido sustentáculo dos estados nacionais. Transcende – não é subordinável a nenhuma lógica de mercado.

Não tem sentido aplicar raciocínio economicista à Universidade. Fazê-lo em educação é repetir a bíblica venda da primogenitura pelo prato de lentilhas. Quanto vale para uma nação sua futura geração? Os futuros têm um valor incomensurável para a presente.

A Universidade deve ser o canal da democratização republicana. Isto implica ser um espaço de mobilidade social. Cinqüenta e três mihões de brasileiros são pobres. Hoje, 97% dos jovens estão matriculados no ensino fundamental, contra apenas 12% na Universidade. Na Europa, 60% dos jovens são universitários, e no nosso vizinho Uruguai, 30%. A mobilidade social exige superar a escola privada, exclusiva, paga, e abrir caminho para os jovens pobres brasileiros rumo à Universidade pública e gratuita.

Isto exige atenção para a questão social no corpo discente na Universidade. Nas últimas décadas, o ensino médio cresceu quantitativamente no Brasil. Isto coloca, para a Universidade pública, um notável desafio: aumentar vagas sem perder – pelo contrário, prosseguir ganhando – qualidade.

A questão social, para a Universidade, no domínio da educação, se desdobra em diversos níveis. Primeiramente, há a centralidade da formação dos professores de nível médio, bem como a disponibilização de um sistema de educação continuada para este magistério.

Em segundo, são necessários programas preparatórios gratuitos que facilitem o acesso de estudantes de baixa renda ao concurso do vestibular. Em terceiro, há a urgência em assistir os estudantes pobres que, consagrados como heróis do vestibular, venham ater condições de dedicação exclusiva e tempo completo para o aprendizado.

Bolsas para estudantes carentes, tutorias para acompanhar seu aprendizado são imprescindíveis. É um equívoco tentar colocar um biombo sobre a questão social do estudante lançando mão da variável étnica. País multirracial aceita a existência do preconceito e procura compensá-lo por cotas étnicas, o Brasil é um país mestiço que conceitua o preconceito racial como crime hediondo. A instalação da cota racial não resolve a questão do estudante de baixa renda, e ainda tem o efeito de “naturalizar” e estimular o preconceito racial.

Esperança, dignidade, auto-estima e direito a sonhar são demandas legítimas e ingredientes de formação da juventude. A Universidade deve estar atenta à crueldade dos tempos atuais. As dimensões de desemprego, subemprego e diminuição do rendimento do trabalho no quadro geral de crescimento reduzido angustiam os jovens. O exíguo mercado de trabalho condiciona e tensiona a Universidade.

Creio que a chave convocatória é repensar a nação como projeto para a inoculação de vacina à perda. Pelo discurso pós-moderno, esta proposta é estigmatizada como atrasada e paleolítica.

Na pós-modernidade, foram exaltados tanto a virtude do mercado quanto o ideal da competição desenfreada. Foi lançada na penumbra a idéia da solidariedade. Afirmou-se a obsolescência dos grandes discursos e foi ensaiada sua substituição por abordagens fragmentárias e operacionais. Alguns saudaram o fim da história como parteira de descontinuidades. A nação foi percebida como instituição datada e em diluição. O nacionalismo foi cunhado como uma ideologia arcaica. No cenário internacional, foi anunciada a proximidade de uma ordem democrática que, de forma progressiva e harmônica, globalizaria o espaço-mundo e dispensaria o exercício da soberania nacional. Neste cenário, a Universidade nacional dever-se-ia dissolver, integrando-se à Universidade mundial. Questões como a nação, sua identidade, sua cultura, seus símbolos e heróis alimentariam, como material etnográfico e referência histórica, cursos da Universidade do mundo.

A história concreta tem-se movido em direção oposta ao prognóstico pós-moderno. A promessa de paz mundial submerge na geopolítica embebida de petróleo. Linhas de fratura de alto risco se apresentam na Ásia Central, no subcontinente indiano e no Oriente Médio. Antigas barreiras étnicas, culturais e religiosas estão alimentando conflitos fundamentalistas. O horror progressivo do narcotráfico faz gala de uma assustadora promiscuidade com o geopolítico e com o sistema financeiro e degrada valores, abrindo caminho para a atrofia de direitos civis. São alarmantes as seqüelas da redução de solidariedade. No mundo, estão previstos na próxima década mais de 70 milhões de infectados com AIDS. Na África, 12 países já tem mais de 10% da população adulta infectada. Em Botswana, o índice atingiu 39%.

A falácia da globalização virtuosa é patente. A renúncia de exercício da soberania quanto aos movimentos do dinheiro, das empresas e dos capitais é assimétrica com obstáculos, cada vez mais vigorosos, aos deslocamentos de população e da força de trabalho.

Ao invés da constituição de uma ordem democrática internacional, em que cada país tenha voto, está visível um império que se recusa a aceitar a redução de qualquer um dos seus super-poderes. Não aceita o protocolo de Kioto ou a Corte Internacional de Haia; reserva-se o direito de reter suspeitos sem assistência judicial nem consular; admite julgamentos secretos por seus tribunais militares; e se autoconcede habeas corpus apriorístico para seus militares em ação pelo mundo.

Não está garantida a saúde deste epicentro imperial, infectado por doenças de alto risco. Sua moralidade sistêmica exalta o protagonismo da grande empresa, e a verdade inquestionável do balanço contábil. Porém, agora a grande corporação tende a mentir contabilmente e, por conseguinte, a pecar mortalmente na tradição puritana. Prospera a perda de confiança na verdade empresarial. Os casos Enron, Tyko, Worldcom, Xerox, Andersen, Vivendi Universal, Merck etc. e a suspeita de desvio de 2 bilhões de dólares em subsídios agrícolas na Europa abalam o alicerce moral deste sistema.

A sobra da dúvida paira sobre os dirigentes empresariais. Como sustentar o mito da corporação privada virtuosa, em relação ao setor público? Ao mesmo tempo, os fundamentos macroeconômicos estão em declínio no país líder; retornam as projeções de desequilíbrios nos balanços comercial e fiscal. É acentuada a desvalorização das Bolsas de Valores e está debilitada a moeda-líder; em curso, há uma redução dos fluxos financeiros externos para a capital do império. A crise econômica e moral prosperará para além dos muros do império.

A opção entusiasmada pela globalização facilita, obviamente, o contágio das nações que se desarmaram na entrega a esta crença. Em nossa íbero-américa, a crise Argentina fornece um exemplo dramático do país que, acatando as orientações do sistema financeiro internacional, é por ele deixado à deriva. O fantasma recessão e esvaziamento cambial está às portas do Uruguai, Paraguai e Bolívia. Todo o continente está ameaçado.

Estes processos irão reforçar nossa reflexão. Mais além da estagnação, pode prosperar o terror da desconstrução econômica, algo como um desenvolvimento com sinal negativo, e um retrocesso histórico social.

Em simultâneo, assistimos surpreendentes transformações semânticas realizadas pela retórica imperial. O Paquistão converteu-se de tirania em país confiável. A venezuela, apesar de processos eleitorais transparentes, tem seu presidente estigmatizado como ditador populista. Um candidato a presidente da Bolívia, com forte chance de vitória, foi acusado pela diplomacia do império de complacência com o narcotráfico. A autodeterminação está sendo colocada sub judice do critério imperial.

A história está sendo pródiga em fornecer indicadores estruturais que vulnerabilizam o edifício do pensamento único. A globalização demonstra seus pés de barro. A nação como território de soberania de um povo não é anacronica – é a instituição matriz e mantenedora de anteparos diante de um mundo cada vez mais propenso a uma crise estrutural com desdobramentos de difícil previsão.

A revalorização da nação implica reconvocação da Universidade pública brasileira. O pensamento crítico e o questionamento do pensamento único são do cotidiano desta instituição. O nacionalismo como sensação de pertinência a um povo, condômino de um território e parceiro de um projeto comum, não é substituível por outro discurso. Cabe à Universidade subsidiar este sentimento, evitando que seja desviado do leito democrático por xenofobia ou apelos puramente emocionais, e ajudar a canalizá-lo para a construção de uma sociedade justa e inclusiva de todos os brasileiros.

As instituições e representações políticas que me apoiaram estejam certas de que os professores, técnico-administrativos e estudantes da UFRJ estarão perfilados na linha de frente de reconstrução de salvaguardas para que o Brasil não se dilua. Que a razão nos ilumine e que Deus nos ajude. 

 

Pesquisado e transcrito por

Antonio José Barbosa de Oliveira
Professor do CBG/UFRJ e colaborador da Divisão de Memória
antoniojosearrobafacc.ufrj.br
 

 


“Nesse recanto tranquilo da Guanabara destinado a abrigar os labores da inteligência e do saber, vemos hoje concretizar-se, na inauguração do primeiro edifício da futura Cidade Universitária, um anseio da cultura nacional a que procurei dar realidade.

Foi há oito anos passados que o meu governo tomou as providências iniciais para levantar aqui o mais importante centro educacional do país. Compreendeu a necessidade de reunir e sistematizar, num conjunto de instalações apropriadas, os diversos institutos de ensino superior que constituem a Universidade do Brasil, ampliando-os nos seus currículos e objetivos. Era preciso promover condições materiais para que mestres e estudantes viessem encontrar, no convívio de todos os dias, a verdadeira atmosfera da vida universitária.

Obra de grande vulto e longo alcance, muitos descreram de suas possibilidades. Agora, entretanto, já podemos ver que as nossas esperanças não foram frustradas. Se muito ainda resta a fazer, não foi pouco, decerto, o que já fizemos. Os trabalhos de preparação do terreno estão praticamente concluídos. Na grande Ilha Universitária, que resultou de tarefa tão árdua e tão custosa, 30.000 alunos e professores encontrarão o ambiente propício às suas atividades culturais e às solicitações do esporte e do recreio sadio.

Não obstante as dificuldades financeiras do país, que levaram o meu governo a adotar uma severa política de compressão de despesas, foram levadas avante estas obras de tão alta destinação. Dos 470 milhões de cruzeiros empregados na construção da Cidade Universitária, desde 1945, cerca de 400 milhões o foram durante o meu governo, no período de 1951 a 1953. A proposta orçamentária para 1954 consigna uma dotação de 350 milhões de cruzeiros àquela mesma finalidade.

Já se evidenciarm, na imponência de suas esturutras, os primeiros frutos desse arrojado empreendimento. Dentro em breve estarão concluídos, sucessivamente, a Faculdade Nacional de Arquitetura, blocos residenciais com capacidade para 1.200 estudantes, a Escola Nacional de Engenharia e o Estádio Universitário. Já vai também adiantada a construção do grandioso Hospital de Clínicas, que disporá de 1.600 leitos, distribuídos por 16 clínicas e mais 336 quartos individuais.

A cerimônia que ora me é dado presidir, inaugurando o Instituto de Puericultura, tem para mim uma particular significação. Desde há muitos anos tem sido uma preocupação constante do meu governo possibilitar a execução de um programa de assistência à maternidade e à infância e de higiene infantil, em bases técnicas e modernas e racionais. Em 1936, durante visita à Bahia, tive a satisfação de conhecer a notável obra que o professor Martagão Gesteira vinha realizando naquele terreno. Convidei-o então para dirigir atividades federais de amparo à maternidade e à infância. Desde essa ocasião tem sido um abnegado batalhador pela causa do estabelecimento de uma orientação científica avançada para a puericultura no Brasil.

O Instituto de Puericultura que hoje entra em atividade dotado de moderno aparelhamento técnico e instalações adequadas, compreende o Abrigo Maternal, a Pupileira, o Banco de Leite, o Centro de Prematuros e Enfermarias de Clínicas da Primeira Infância. Seu papel, quer no que toca às atividades assistenciais, quer no que diz respeito à preparação de especialistas, marcará o início de uma nova fase da história do amparo à infância no Brasil.

Devemos esperar que obras como essa avivem na alma dos moços a fé no Brasil e a confiança nos seus governantes.

Pois o país trabalha e o seu governo se empenha na causa do progresso nacional, a despeito das campanhas insidiosas dos que nada constroem e apenas procuram difundir a descrença amarga e o pessimismo dissolvente.

A sabedoria dos mestres e o entusiasmo dos moços hão de reunir-se aqui, para fazer deste núcleo universitário um centro vivo e palpitante da crença nos destinos da pátria.”

 

Estraído do Jornal Diário de Notícias, edição de 02/10/1953.

Pesquisado e transcrito por

Antonio José Barbosa de Oliveira
Professor do CBG/UFRJ e colaborador da Divisão de Memória
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